03 abril 2006

Encontro discute processo de levar acervos à web

Por Beatriz Coelho Silva
03 abril 2006
A promessa do site de buscas Google de difundir 15 milhões de livros na internet mexe com os brios das bibliotecas nacionais de vários países, especialmente os que não são de língua inglesa. Para debater a questão, os presidentes dessas instituições na França, Jean-Noel Jeanneney, Alemanha, Elizabet Niggemann, e Brasil, Muniz Sodré, reúnem-se hoje e amanhã no Rio para discutir os processos de passar seus acervos para suportes virtuais e a validade dessa iniciativa. Na Biblioteca Nacional, no Rio, a digitalização começou em 2001 e já atingiu as obras raras (também chamadas de tesouros), a coleção de mapas, os clássicos da literatura e, em breve, a coleção de fotos Tereza Cristina, que pertenceu ao imperador dom Pedro II, seu marido.

"A digitalização é fundamental para a preservação e segurança dos acervos, pois o pesquisador acessa o documento sem manuseá-lo. Mas é preciso selecionar o que vai para a internet, pois a profusão de informação pode levar ao caos", diz Muniz Sodré. "Na Europa, as discussões são técnicas, em torno dos procedimentos da digitalização e difusão na internet. O foco, no entanto, é o próprio livro como fonte de conhecimento. Esse monopólio acabou, pois as pessoas buscam a informação no cinema, televisão, internet, etc. O acesso à informação é uma liberdade, cujo valor precisa ser debatido. É claro que as barreiras à informação devem acabar, mas os níveis são indispensáveis. Sem eles, não se chega ao conhecimento."
Sodré conta que recebeu uma oferta do próprio Google para digitalizar 2 milhões de itens da Biblioteca Nacional (um quarto de seu acervo), um investimento de US$ 10 milhões, que sairia de graça para a instituição. "É interessante, mas é preciso analisar bem as implicações políticas dessa doação, especialmente num ano eleitoral", comenta o presidente da BN. "Nosso processo de digitalização e difusão do acervo já caminha por suas próprias pernas e, com os equipamentos de que dispomos e os que acabamos de adquirir, vamos num bom ritmo."
A coordenadora de Informação Bibliográfica da instituição, Ângela Bittencourt, explica que, na América Latina, o ritmo do crescimento do acervo da BN na internet é avançado, mas é lento comparado aos Estados Unidos e à Europa. "Hoje temos capacidade de digitalizar 10 mil imagens, ou páginas de livro, por mês, um processo que implica tratamento imagem, sua encadernação virtual e catalogação, para tornar fácil a localização na internet", explica ela. "Na França, a capacidade é de 20 mil imagens, mas eles terceirizam o processo. Só as obras que, por lei, estão impedidas de sair fisicamente da Biblioteca Nacional de lá, são digitalizadas por eles."
Atualmente, a Biblioteca Nacional tem 4 mil itens digitalizados e disponíveis na internet. Obras raras como a Bíblia de Mogúncia (editada por Johann Gutenberg), a primeira edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões, a Gramática, de João de Barros (a primeira brasileira, de 1539), e a História da Província de Santa Cruz, de Gandavo (o primeiro livro que faz referências ao Brasil, no início do século 16), já estão na rede, assim como a coleção de mapas que vai do século 16 a 18 e a documentação sobre a escravidão no Brasil. A obra de Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha e outros clássicos brasileiros também estão lá.
Quatro mil itens pode parecer pouco, mas Ângela lembra que só a Bíblia de Mogúncia, considerada um único item, tem dois volumes e mais de mil páginas. Para ela, o problema não é a digitalização e difusão, patrocinada por outras instituições como Unesco, Congresso Americano, Finep ou a Fundação Getty, que financiará o processo com metade das 23 mil fotos da Coleção Teresa Cristina. "Nossa meta agora é facilitar o acesso do público em geral, seja o pesquisador nas universidades ou o estudante de nível fundamental", ressalta Ângela. "Nosso site ainda apresenta problemas de localização das obras e, em alguns casos, exige que o computador tenha programas específicos. Mas a solução já está a caminho, com a inauguração do novo portal da BN em maio.