24 abril 2006

Os blogs, como descritos em 1918

Por Verlyn Klinklenborg
em O Estado de S. Paulo
23 abril 2006

Freqüentemente, recebo no computador uma lista dos novos livros acrescentados ao catálogo de obras online da Biblioteca da Universidade da Pensilvânia. Para mim essa é a versão de longa distância do tipo de pesca que fiz a maior parte da minha vida, vagando através das bibliotecas, fazendo descobertas acidentais nas prateleiras ao longo do caminho.

Porém, há um paradoxo aqui. Essa é uma biblioteca de alta tecnologia repleta de livros antigos. É verdade que, por causa das restrições impostas pelos direitos autorais, é raro encontrar uma publicação cuja data seja anterior a meados da década de 1920. Não conheço nenhum lugar no qual você possa sentir tão claramente a diferença entre as águas protegidas pelo direito autoral e o mar aberto do domínio público.

Na maioria das vezes, apenas dou uma passada de olhos nos títulos. Mas um dia desses me deparei com The Free Press ('A Imprensa Livre'), de Hilaire Belloc, publicado em 1918. Belloc, que morreu em 1953, está bem representado online. O Projeto Gutenberg já publicou dez de seus livros, o que parece muito até você considerar quantos livros ele publicou em sua vida - quase 150.

Belloc era versátil, firme em suas opiniões e não poupava esforços. Certa vez, assim resumiu sua filosofia sobre o ato de escrever: "A arte toda consiste em escrever e escrever e escrever e depois oferecer para venda, exatamente como manteiga".

The Free Press é um longo ensaio que examina a história do que Belloc chama de imprensa oficial na Inglaterra e o surgimento de imprensa livre rival, na forma de pequenos jornais, freqüentemente de vida curta.

A imprensa oficial, afirma Belloc, é centralizada e Capitalista (ele sempre escreveu Capitalista com inicial maiúscula) e seus proprietários são "o verdadeiro poder governante no mecanismo político do Estado, superior ao das autoridades estatais, nomeando e demitindo ministros, impondo políticas e, em geral, usurpando a soberania - tudo isso de maneira secreta e sem responsabilidade". O resultado "é que a massa dos ingleses parou de ter ou até mesmo de esperar informações sobre a maneira como são governados".

É uma delicada tarefa histórica transplantar o argumento de Belloc da época dele para a nossa. Talvez nada distancie tanto seu ensaio como a pressuposição de que os principais jornais moldavam o poder político da nação - que os políticos governavam com o consentimento tácito dos donos de jornais.

Nenhum jornal ou rede de TV da nossa era pode ocupar o lugar do conjunto dominante de jornais de lorde Northcliffe (1865- 1922, jornalista britânico nascido na Irlanda, o mais espetacular jornalista e editor de jornais da imprensa britânica. Fundou o Daily Mail em 1896 e o Daily Mirror em 1903), incluindo o The Times de Londres, que incorporava a idéia de Belloc de imprensa oficial. O equilíbrio de poder mudou e muitos dos ideais implícitos da imprensa livre ou independente, como Belloc a descreve, foram absorvidos por jornais modernos. Também não faltam jornais pequenos, opinativos e independentes que ele defendeu.

Mas ainda vale a pena ler The Free Press, pois descreve, com algumas importantes adaptações, a relação em evolução entre blogueiros políticos e a mídia da corrente central do pensamento nacional. A imprensa livre descrita por Belloc era uma horda de pequenos jornais altamente opinativos, às vezes propagandísticos, que surgiram em reação à "imprensa oficial do Capitalismo". Segundo Belloc, o que caracterizou a imprensa livre foi um "particularismo discrepante".

Como ele diz, "a imprensa livre lhe dá a verdade, mas somente em seções desarticuladas, porque é discrepante e é particularista (para "particularismo", Belloc oferece "excentricidade" como sinônimo). Para chegar à verdade lendo os órgãos da imprensa livre, você precisa "juntar tudo e anular uma declaração exagerada comparando-a com outra".

Mas o que ele quer provar é que você pode chegar à verdade.

Há parágrafos inteiros no ensaio de Belloc nos quais se você substituir imprensa livre por blogs ficará surpreso com as semelhanças. Ele observa que os jornais da imprensa livre raramente se pagam e que muitas vezes tropeçam na "informação imperfeita", simplesmente porque não é de interesse dos políticos falar com eles.

Eles tendem a pregar para os convertidos. E são limitados pela visão do seu fundador. "É difícil", escreve Belloc, "ver de que forma alguns dos jornais que mencionei vão sobreviver muito tempo à perda de seu atual editor".

A intenção de Belloc não é trazer à luz as limitações dos blogueiros - perdoe-me, da imprensa livre. É mostrar como, por mais imperfeitos que sejam, eles podem contribuir enormemente para nossa capacidade de conhecer o que está acontecendo. Qualquer pessoa que passa muito tempo lendo blogs políticos detectará uma nota familiar - numa prosa muito melhor - entre as certezas de Belloc. Em resumo, ele escreve como um blogueiro do seu tempo.