04 maio 2006

O maior bibliotecário do Brasil

Por Célia Chaim
em ISTOÉ
3 maio 2006

É uma vida inteira dedicada aos livros – velhos, raros, novos, usados. O empresário José Mindlin, 91 anos, se move com exacerbado carinho pelas obras literárias. Ele chega ao ponto em que consegue reconhecer a idade de um volume apenas tocando em sua textura. Mindlin é um candidato fortíssimo para a escolha de um novo integrante da Academia Brasileira de Letras em junho, quando o Brasil entra na Copa do Mundo. Seu recente livro, Uma vida entre livros, é delicioso. Mas ele já escreveu muito, sempre para estimular a leitura, sua verdadeira paixão – uma paixão que brotou ao lado de uma jabuticabeira, no jardim de sua casa, onde plantou sua grande relíquia: a maior biblioteca particular do Brasil, hoje com 40 mil títulos. Não dá para reduzir sua grande paixão à palavra "patrimônio". Fica feio, desmerece o que ele certa vez chamou de "uma loucura mansa". Muito mais que um amigo dos livros, ele é acolhedor, simples, como todo intelectual de grande time. Não gosta de holofotes, prefere as luzes amenas e aconchegantes de seu imenso tesouro, os livros. Paixão que alimenta com fervor desde os 13 anos. A biblioteca vem de seu amor pela leitura e do prazer de manusear as páginas. "Não gosto de livro difícil, a não ser excepcionalmente, e com boas razões, como com Proust, Joyce e Guimarães Rosa, por exemplo." Age como um zeloso bibliotecário a valorizar o que há de mais expressivo na história da literatura. Na verdade, ele é um bibliófilo, denominação complicada para seu gosto por leituras simples.

Como nem só de livros vive o homem, Mindlin tornou-se um grande empresário, dono da Metal Leve, fabricante de pistões que nos anos 60 equipavam motores de aviões americanos. Era a queridinha das montadoras, aqui e lá fora. Veio a globalização e não conseguiu suportar a concorrência. Como tantas outras, foi parar nas mãos de grupos estrangeiros, no caso o grupo alemão Mahle. Houve até choradeira, algo inusitado na venda de empresas, mas essa era de José Mindlin, nome que significa "ética" e que era o rosto da indústria.

Conformado com a realidade brasileira, entre os anos 1994 e 1997, Mindlin limitou-se a dizer que com a venda a empresa iria ficar mais forte. A Metal Leve foi fundada em 1949, com amigos. Para ele, o que importa foi o papel social que a empresa conseguiu exercer. "Ela tinha obrigações culturais que não poderiam ser ignoradas", diz. Foi assim que começou a patrocinar edições fac-símiles de documentos sobre a literatura brasileira. Com sua filha Diana, Mindlin cuidou do aspecto gráfico das obras. Ressurgiram publicações como A Revista, editada por Carlos Drummond de Andrade, e a Revista de Antropofagia, um dos mais importantes documentos do modernismo brasileiro.

Nascido em São Paulo, foi o terceiro entre os quatro filhos de um casal de russos que imigraram para o Brasil no final do século XIX. Tinha 13 anos quando, em 1927, já fuçava livrarias e sebos para comprar seus primeiros livros. Entre eles, um que contava a história do Brasil e que estava recheado de indicações bibliográficas. Mindlin seguiu todas as indicações e percorreu várias livrarias, perguntando pelas obras citadas, que já eram bem raras. Recebeu apenas uma resposta – da Livraria Francisco Alves, no Rio de Janeiro. "Meus pais me deram de presente uma edição chamada História do Brasil, publicada em seis volumes, em 1862. Aí, sim, foi o começo da história."

Dono de uma alegria que sempre levou vida afora e de um humor implacável ("graças a Deus, eu sou ateu"), José Mindlin agora se prepara para ver sair doseu quintal sua árvore mais frondosa, a biblioteca. Numa decisão da família, a parte dedicada ao Brasil (mais da metade da coleção) será doada à Universidade de São Paulo (USP), num projeto de 20 anos. "A idéia é que a biblioteca não se pulverize, não se espalhe e que, num período de 100 anos, não seja privatizada", explica seu filho Sérgio.

Quem o conhece diz que ele é muito bem-humorado, seguindo uma frase de Montaigne com que sua filha Diana o presenteou: "Je ne fais rien sans gaieté" (não faço nada sem alegria). "Nem sempre consigo, mas pelo menos tento." E parece que foi com humor que ele conquistou sua amada Guita Kauffman. Ele estava na Faculdade de Direito da USP quando a viu pela primeira vez. Ela estava cercada por moços que tentavam convencê-la a se inscrever em algum partido estudantil. "Olhei para aquela confusão, ela no meio. Então me aproximei e disse-lhe que aquilo era bobagem, que o bom partido dali era eu'', conta. Os dois se casaram e tiveram quatros filhos: Betty, Diana, Sérgio e Sônia. Deles vieram os dez netos – e mais sete bisnetos. Todos crescendo à sombra da imensa biblioteca. Guita e Mindlin estão juntos há 67 anos. Isso sim é o que ele define como legítima "fidelidade partidária".

2 Comments:

At 09 maio, 2006 19:20, Anonymous Anônimo said...

Interessante. Só que o sr. Mindlin não é Bibliotecário, mas Bibliófilo.

 
At 09 maio, 2006 19:29, Anonymous Anônimo said...

Seu Blog está aqui:
http://www.extralibris.info/blogs/

Saudações.

 

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