16 junho 2006

Especialistas discutem sobre o futuro dos livros virtuais

Por Karla Dunder e João Luiz Sampaio
em O Estado de S. Paulo
11 junho 2006

E se pudéssemos reunir em um só lugar todo o conhecimento colhido através dos tempos? Foi com esse intuito que surgiu em 280 a.C. a Biblioteca de Alexandria que, segundo historiadores, chegou a contar com 70% da produção da época. Séculos depois, com a chegada da internet e iniciativas como a do Google - que está digitalizando o acervo completo de cinco das maiores bibliotecas do mundo - só fizeram o sonho de um futuro de obras digitalizadas, acessíveis pelo computador, parecer cada vez mais próximo. Na semana passada, porém, o grupo editorial francês La Martinière denunciou o Google por "ataque ao direito de propriedade intelectual". É apenas um entre muitos indícios de que, do temor pelo desaparecimento do livro como o conhecemos à questão dos direitos autorais, a criação da superbiblioteca virtual é um empreendimento mais complexo do que se supunha. E de que previsões como a dos editores americanos - que, em 2000, reuniram a imprensa para anunciar que, até 2005, 10% do mercado editorial seria digital - foram um tanto precipitadas.

O projeto do Google inclui instituições como a Universidade de Stanford, onde um robô scaneia mil páginas por hora de livros e documentos raros. Já a americana Carnegie Mellon University enviou à China - onde custa três vezes menos scanear cada livro, US$ 10 - 30 mil títulos de sua biblioteca: 100 mil páginas estão sendo digitalizadas por dia e a expectativa é de que, em dois anos, 1 milhão de livros estejam acessíveis pelo computador. A idéia não é apenas facilitar o acesso a obras: espera-se que as bibliotecas virtuais possibilitem aos usuários criar rapidamente inter-relações entre obras e temas. Deparando-se com uma palavra desconhecida, por exemplo, o usuário teria acesso a todos os textos em que ela já foi utilizada. Mais: em poucos cliques, poder-se-ia ter acesso a todo o material já publicado sobre determinado tema, o que provocaria uma revolução sem precedentes na atividade intelectual.

No Brasil, também existem iniciativas. A USP, por exemplo, criou a sua Biblioteca Virtual e oferece, além das teses defendidas na universidade, textos clássicos de diversas áreas, da literatura e das ciências humanas até saúde pública a psicologia. O governo também criou o site www.dominiopublico.gov.br, que oferece obras de autores brasileiros livres de direitos autorais. Longe da iniciativa oficial, também há movimento em uma variedade de sites que não apenas disponibilizam livros, como também são espaço de encontro entre os leitores que utilizam esse tipo de tecnologia. Ali, são oferecidas várias opções para download - você pode tanto baixar o arquivo em formato para computadores e palm-tops como escolher um tipo de acesso ligado ao seu e-book, o pequeno aparelho no qual você pode armazenar os livros baixados.

Toda essa movimentação não significa, porém, que não exista gente contrária às bibliotecas virtuais e seus significados. Em recente feira literária nos EUA, o escritor John Updike engrossou a lista de descontentes e bradou em favor do contato físico com o livro. Apesar das críticas, porém, os especialistas garantem que o crescimento do mercado digital de livros é uma questão de tempo. "Tudo que achávamos que sabíamos sobre livros vai mudar", escreveu Kevin Kelly, autor de Out of Control: The New Biology of Machines, em artigo recente no New York Times.

"Tempo", aqui, inclui uma série de definições. Uma delas é a tecnológica: todo o conhecimento humano cabe em 50 petabytes que, convertidos em disquetes, ocupariam um prédio de dois andares. Mas Kelly mostra que as pesquisas caminham no sentido de tornar possível a "superbiblioteca virtual". E adverte: não vai demorar tanto quanto se imagina. "Tempo", porém, também significa a necessidade de se encontrar novos padrões. "Vamos ter de repensar o negócio do livro. O livro digital precisa ser encarado como um novo negócio", diz Carlos Augusto Lacerda, editor da Nova Fronteira. "Esperamos que uma grande editora internacional abra caminho, que se crie um modelo a ser seguido. Os e-books precisam ter uma tecnologia bem estruturada e serem economicamente viáveis do ponto de vista comercial. Hoje, eles não são viáveis", diz Sérgio Machado, editor da Record - e os números estão ao seu lado: um novo aparelho, apresentado na Bienal do Livro de São Paulo pela E-BookCult, armazena até 40 livros, mas é importado e custa US$ 600.


SEGUNDO A LEI...

A questão mais delicada, porém, parece ser a dos direitos autorais. Com a reprodutibilidade permitida pela internet, como preservar os direitos dos autores e editoras? A denúncia feita esta semana pelas editoras francesas é exemplo do terreno movediço em que está fundamentada a questão. O Google está digitalizando as obras de domínio público presentes nos acervos de bibliotecas como a da Universidade de Stanford - já os livros protegidos pelos direitos de propriedades intelectual têm apenas trechos reproduzidos na rede. O Google se defende afirmando que está divulgando as obras. Para as editoras, porém, trata-se de apropriação ilegal. Aqui no Brasil, as empresas pedem por orientação. "Precisamos criar mecanismos para o pagamento dos autores", diz Sérgio Machado. "A digitalização é um caminho irreversível, mas quanto tempo levará para chegar aos livros protegidos pela lei de direito autoral?", complementa Carlos Lacerda. Segundo Kevin Kelly, 15% dos livros estão em domínio público, 10% estão no catálogo das editoras e 75% estão fora de catálogo. "É melhor ter um livro protegido esgotado ou ter um livro circulando de graça?", pergunta Lacerda. "Talvez com a redução dos custos, ao se eliminar o papel, por exemplo, as editoras possam pagar mais aos autores", diz o escritor e professor de Direito da Universidade de Yale, Yochai Benkler. "Não sabemos como funcionaria a questão financeira, acho que dependeria mesmo de um acordo com as editoras. Eu abriria mão facilmente dos meus direitos autorais, que nunca são muitos, caso o site não fosse com fins lucrativos. Dirigido a estudantes por exemplo, ou a projetos sociais", diz o escritor Ricardo Lísias, autor de Duas Praças (Editora Globo).

Mas se Lísias quiser fazer isso, não terá a proteção legal ao seu lado: a questão é que não existe uma legislação que especifique os direitos autorais perante a era virtual. "Quando se publica um livro, firma-se um contrato de edição que institui uma relação de direito autoral. Nele, o autor permite que a editora reproduza e comercialize o livro. Mas quando este livro é digitalizado e passa a fazer parte de um banco de dados, trata-se de uma outra utilização da obra, o que pressupõe outra autorização", explica o advogado Rodrigo Salinas, especialista na legislação de direitos autorais. "Isso é o que está na lei. Mas não existem seções específicas que tratem, por exemplo, de liberação das obras no caso de projeto de interesse público, como é o caso de uma biblioteca, por exemplo. Neste contexto, estamos desamparados perante a lei", completa.

E os leitores, o que acham de tudo isso? O estudante Paulo Kon, de 17 anos, reconhece que a internet torna o caminho à informação cada vez mais fácil. "Mas não acho a leitura no computador confortável, o mérito mesmo é possibilitar o acesso a livros esgotados", diz. O escritor Mario Prata segue pelo mesmo caminho: "Nunca vi alguém com um e-book na mão. É algo frio, impessoal demais." Dono do maior acervo bibliográfico particular da América Latina, José Mindlin não descarta de cara os e-books. "Se permitir constante acesso a obras raras, será uma vantagem", diz. "Mas o contato com o livro é insubstituível." E não pára por aí. "Uma vez vieram aqui em casa para eu experimentar o e-book. Prepararam tudo mas, quando fui mexer, não funcionou. Isso não acontece com o original."


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NA REDE

CLÁSSICOS: Marcos da literatura brasileira e mundial podem ser encontrados em diversos sites, como o E-BookCult, Domínio Público e Virtual Books.

PROJETO GUTENBERG: Entre os sites estrangeiros, destaque para o do Projeto Gutenberg, que reúne cerca de 17 mil livros e tem dois milhões de downloads por mês.

UNIVERSIDADES: Instituições de ensino cada vez mais disponibilizam conteúdo na rede. A USP, por exemplo, oferece as teses defendidas por alunos e livros.

1 Comments:

At 25 janeiro, 2008 01:27, Anonymous Anônimo said...

Reportagem maravilhosa! Mas, sem objetividade, pois, as questões ainda estão soltas referentes às disponibilidades de e-book’s (livros digitais). Por exemplo, o que fazer com os livros de caráter técnico? No meio científico e universitário isso é uma necessidade constante na formação do profissional, independentemente da sua área de atuação. Agora mesmo estou com um problema, ou seja, tenho mais de 1000 livros de alto padrão técnico e de suma importância para pesquisadores, professores, estudantes e outros interessados pela busca de um conhecimento específico, no caso engenharia e meio-ambiente. Na minha cabeça não penso vendê-los – a idéia é egoísta e incomoda – apesar da consciência de que nós temos mais de R$ 100.000,00 (cem mim Reais) em livros e outras fontes técnicas. Na verdade, o meu real interesse é que estas fontes cheguem livremente nas Universidades, ONG’s, CEFTES, Iniciativa Privada e Centros de Pesquisa no Brasil e mundo (sem fronteira). Então, como fazer isso sem ferir direitos de alguém? Onde acho regras jurídicas ou layout que me der respaldo para transferência?

O motivo do desejo não seria um ato heróico! E, sim uma divida chamada de reconhecimento com a Universidade Pública e as mentes brilhantes que interagi. A motivação vem também, aqui sem demagogia alguma, que nossos livros, nas bibliotecas universitárias, não recebem investimentos adequados dos governos (e iniciativa privada), mostram-se desatualizados e sem brio, por não acompanhar dinâmica das novas realidades – aqui faço uma ressalva para USP que ta anos luz na frente das outras Universidades brasileiras.

Num aspecto didático somente um livro, na sua pura essência, enche de brilho os olhos de professores e alunos – fomos educados assim. Esta ferramenta motiva a pesquisa e o ensino. Hoje o que lamento, nesses jovens professores, é avidez do conhecimento competitivo baseado no acompanhamento sistemático de paper’s (artigos científicos) - o Governo vem estimulando essa modalidade de jovens professores universitários. A realidade são professores sem: compromisso, criatividade e motivação do exercício didático. Acredito que só um ensino baseado em livros de qualidade os objetivos nobres, em qualquer modelo de ensino, serão atingidos.

Por fim, o e-book não é um livro tradicional e, particularmente, tenho certo desconforto de ler e estudar na tela do computador. Mas, tenho certeza que pior situação é um aluno não ter acesso aos livros ou e-book’s. Por favor, me ajudem enviando material de leitura ou suporte na forma de orientação..

Marcelo Amorim
cid_amorim@hotmail.com

 

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