16 junho 2006

Futuro traz armadilhas para web

Por Bruno Sayeg Garattoni
em O Estado de S. Paulo
12 junho 2006

Aos 37 anos de idade, a internet já passou por muita coisa, mas, como boa balzaquiana, quer se reinventar: as redes públicas sem fio, que cidades de todo o mundo já estão montando e qualquer pessoa poderá usar para navegar de graça, e a chamada Web 2.0, em que sites viram verdadeiros programas, são as principais revoluções em curso.

E a rede vai precisar delas, pois as ameaças também estão aumentando: enquanto o governo dos EUA grampeia o que passa pela web, as gigantes de telecomunicações querem cobrar taxas e quebrar a rede em pedaços - marginalizando quem não pagar o que elas exigem. Para piorar, a internet está ficando lotada: segundo estimativas, já em 2010 podem acabar os chamados Endereços IP - números que identificam cada computador ligado à rede.

De arma da guerra fria, a internet virou centro mundial da economia, da cultura e da interação entre as pessoas. Mas e agora, para onde ela vai? Ninguém melhor para responder do que o engenheiro Vinton Cerf: nos anos 70, ele inventou o TCP/IP, idioma digital que os computadores usam para se comunicar na rede, e recentemente foi contratado como "evangelista" (espécie de líder espiritual) do Google - maior pólo de inovação na rede e única empresa a assustar a Microsoft.

Na semana passada, Cerf esteve em São Paulo e, antes de falar com a imprensa, bateu um papo exclusivo com o Link, no qual disse tudo e mais um pouco - contou até seus planos para a web interplanetária, que poderá interligar todo o Sistema Solar.

Mas, antes de conferir as idéias do pai da internet, entenda quais são as questões mais importantes para o futuro da rede mundial de computadores.


SEM FIO E DE GRAÇA . SERÁ?

O futuro começa, acreditam muitos engenheiros e analistas, nas redes abertas. Imagine, em vez de pagar uma mensalidade pela sua conexão à web, ter acesso gratuito, rápido e em qualquer lugar. Parece um sonho, mas já está virando realidade.

Os EUA saíram na frente: segundo uma grande pesquisa feita em abril pelo site News.com, 35 Estados já têm ou estão montando redes sem fios abertas a todos os cidadãos. Na Europa, a onda também começa a ferver - a cidade de Bolonha, no norte da Itália, inaugura hoje a sua rede sem fios municipal, grátis para todos os 400 mil habitantes.

No Brasil, já foram feitas mais de 30 experiências com redes metropolitanas sem fios, mas a coisa ainda vai demorar um pouco: "A tecnologia só vai se popularizar daqui a dois ou três anos", acredita Ronaldo Miranda, diretor de Mobilidade da Intel. Além disso, as nossas redes sem fios, ao menos num primeiro momento, continuarão a ser comerciais, ou seja, pagas.

A vantagem é que o Brasil já vai pegar uma tecnologia superior, a WiMAX (Worldwide Interoperability for Microwave Access), que tem alcance maior e cuja instalação em grande escala, numa cidade inteira, é mais barata do que a já conhecida Wi-Fi - usada na maioria das redes abertas atuais e também nos pontos de acesso pagos, os hotspots.


SITES TURBINADOS

Outra parte do futuro, a Web 2.0, você já pode experimentar. Na semana passada, por exemplo, entrou no ar o site Google Spreadsheets, que é uma versão totalmente online da planilha eletrônica Excel, da Microsoft. É de graça, não precisa instalar nada no computador e pode ser acessada de qualquer máquina - superútil para quem usa um PC no trabalho e outro em casa, por exemplo. Também já existem editor de textos ( www.writely.com), apresentações (www.thinkfree.com), agenda e calendário (www.calendarhub.com) e até um tocador de MP3 online - www.mp3tunes.com.

Quer dizer: a internet já começou a tornar desnecessários os programas que você tem instalados no seu computador, muitos deles pagos.


OS RISCOS: BIG BROTHER, LIXO, GANÂNCIA E SUPERLOTAÇÃO

Os spams, aqueles e-mails com propagandas que chegam sem pedir permissão, são um grande estorvo, mas, incrivelmente, a internet começa a virar o jogo: segundo estudos do governo americano e da entidade brasileira Cert.br, a quantidade de mensagens-lixo, pasme, diminuiu no ano passado.

A privacidade online, por outro lado, é um problema cada vez maior: recentemente, a revista Wired revelou uma série de documentos confidenciais informando que o governo dos EUA instalou equipamentos de grampo na sede da empresa AT&T, responsável pela manutenção de grande parte da infra-estrutura mundial da internet.

Tudo foi feito sem autorização judicial, o que causou a fúria da Electronic Frontier Foundation, que é a maior ONG da internet e está processando a gigante AT&T.

Mais uma vez, a tecnologia vem ao socorro dos internautas: com o protocolo de comunicações IPv6 (Internet Protocol 6.0), cuja implantação em grande escala vai começar em 2008, todos os dados poderão ser automaticamente criptografados, ou seja, codificados para evitar a espionagem.

E o IPv6, que é a nova versão do protocolo criado, nos anos 70, por Vinton Cerf, vai matar dois coelhos de uma vez só: além de reforçar a privacidade, vai acabar com o problema do esgotamento dos Endereços IP, que hoje em dia, além de escassos, são distribuídos de forma desigual - somadas, as principais universidades dos EUA têm mais Endereços IP que toda a China.

A nova era vai custar uma fortuna - apenas nos EUA, a migração poderá consumir US$ 75 bilhões (segundo a empresa Juniper Networks) -, mas você não terá de comprar nada: o Windows XP já está preparado para a mudança.

A evolução só não acaba com a ganância: as gigantes americanas Verizon, Comcast e AT&T, entre outras, querem criar uma segregação na internet, tornando mais lento o acesso aos sites que não pagarem uma espécie de imposto que elas exigem cobrar.

A briga está ficando feia. Na quarta-feira, o presidente do Google, Eric Schmidt, escreveu uma carta aos internautas pedindo ajuda e acusando as "grandes empresas de telecomunicações" de censurar a web.

Deixando a política de lado, o supra-sumo do futuro vai além da Terra: é a internet interplanetária, que promete interligar robôs, satélites e naves espaciais com muito mais velocidade do que a Deep Space Network, rede espacial atualmente operada pela NASA.

Como não poderia deixar de ser, Cerf está liderando o projeto, que é incrivelmente avançado e deve, segundo ele, estar completado em 2030.