16 junho 2006

Informação livre, a arma contra ditaduras

Por Pedro Doria
em O Estado de S. Paulo
12 junho 2006

Existe uma campanha nova na praça é da Anistia Internacional. A url é essa mesmo, ponto info, sem .com ou .org, para que forme uma frase: impossível reprimir informação. Não há, no mundo digital, uma campanha mais importante que esta. Ela tem a ver com a essência do que é e para que serve a internet e sobre como será seu futuro.

Já lá se vão algumas décadas desde que a rede foi fundada com dinheiro militar por cientistas e suas utopias libertárias. Hoje a internet é uma grande coisa que faz dinheiro e pela qual, muito provavelmente, passará toda a informação do planeta. Esse é um ponto-chave: o sinal de televisão, a voz no telefone, o rádio que ouvimos - tudo tende a ser digitalizado, enviado por TCP/IP e redirecionado, seja com fio, seja sem, por esta portentosa rede que chamamos internet. Ela será o caminho de todas nossas conversas mediadas por tecnologia.

Então o que é a internet? A internet são os cabos que pertencem a governos às vezes, a empresas gigantescas noutras? A internet são os discos e computadores aos quais estes cabos se ligam? A internet é uma abstração? Ela é aquilo que está nela - a informação?

Não é uma pergunta elementar e, infelizmente, cá seguirá esta coluna sem uma resposta satisfatória.

Mas provavelmente já dá para dizer que acesso à internet, se já não é, será um direito humano. Porque acesso à internet é acesso à memória coletiva do que a espécie criou. O que nós fizemos desde o momento há 110 mil anos em que nos vimos Homo sapiens pertence a todos. E é através desse conhecimento acumulado que ganhamos clareza de o que é ser gente: ter direito à liberdade, a ter idéias, a ter teto, comida, dignidade.

O que a Anistia Internacional está sugerindo é isso: a internet não são os cabos ou os computadores mas também não é uma abstração. A internet é o que botamos nela. E, por isso, ela é um direito inalienável do homem. Impossível reprimir informação é um chamado a que todos assinem um abaixo-assinado conclamando governos e empresas, de igual modo, a não interferirem com o livre fluxo de informação na rede.

O abaixo-assinado por certo não comoverá qualquer autoridade em Pequim, onde o jornalista Shi Tao está preso, condenado a 10 anos de trabalhos forçados. Ele divulgou pela rede uma ordem por escrito do governo chinês que determinava como os jornais deviam tratar um assunto determinado. Shi Tao é o ícone da campanha - mas podiam ser blogueiros egípcios ou iranianos. Podia ser Cuba e tantas outras ditaduras, de direita ou esquerda, que no fundo são iguais no asco que têm ao tal livre fluxo de informação. A rede é um perigo para ditadores.

A campanha da Anistia vai além do abaixo-assinado que já tem a firma de gente como arcebispo sul-africano e Nobel da Paz Desmond Tutu. Os voluntários estão criando um grande banco de dados de material escrito que levou gente à prisão ou exílio. É um banco com aquilo que os governos não querem publicado.

Através de um mecanismo simples, irrepressible.info sugere ao navegante que pesque umas linhas de código para colar nalgum canto de seu blog ou site. Cola-se e um banner ou selo aparece. Nele está escrito "Algum governo não quer que isto seja publicado" e, na seqüência, algumas linhas em cirílico ou árabe ou chinês ou inglês, línguas várias. A cada vez que a página é recarregada, um novo trecho censurado aparece. Se houvesse internet no tempo da ditadura, a coisa ia ser muito diferente.

A trupe quer mais do que gritar aos quatro cantos. Quer fazer com que fique inútil para qualquer governo censurar. É utópico. Mas tem um lado pragmático, porque ditaduras não são seus únicos inimigos. Empresas também são: todas as empresas de tecnologia estão convocadas a não cooperar com a interrupção do fluxo de informação.

Ficou feio para o Yahoo!, que dedurou Shi Tao e outros tantos, revelando sua identidade a pedido do governo de Pequim.

Assim, irrepressible.info pede um boicote ao Yahoo! - que ninguém use seu sistema de busca, seu email, suas coisas. No bolso, dói.

É a primeira campanha organizada do tipo, estruturada para estar presente na web em toda parte que se veja. Decididamente é a coisa mais importante acontecendo na internet hoje. Porque talvez não consigamos definir o que é a internet mas ela é, essencialmente, a maior arma contra ditaduras jamais criada pela humanidade.