13 junho 2006

Inventar sentidos ao nosso bel prazer

Por Aldo de A. Barreto

“O filósofo Ludwing Wittgenstein ensinava que nossa comunicação não passa de um grande jogo de palavras. Não há relação direta entre palavras e coisas. Palavras são inventadas arbitrariamente. Seu sentido é fruto de uma convenção e tudo depende do uso que fazemos delas.

Estabelecem-se, pois, convenções, a partir de algo arbitrário. Há anos, numa aula de filosofia em Munique, Alemanha, escutei a seguinte história que faz pensar. Havia um pro­fessor que após a aposentadoria se entediava muito porque tudo lhe parecia chato e sem graça. A mesa era sempre mesa, as cadeiras, cadeiras, a cama, cama, o quadro, quadro. Por que não poderia ser diferente? Os brasileiros chamam a casa de casa, os franceses de maison, os alemães de haus e os ingleses de home. E resolveu dar outros nomes às coisas. Porque tudo nessa área é mesmo arbitrário.

Assim chamou a cama de quadro, a mesa de tapete, a cadeira de despertador, o jornal de cama, o espelho de cadeira, o despertador de álbum de fotografias, o armário de jornal, o tapete de armário, o quadro de mesa e o álbum de fotografias de espelho.

O homem achava tudo aquilo muito engraçado. As coisas começaram de fato a mudar. Treinava o dia inteiro para guardar as significações novas que dava às palavras. E continuou a dar significações diferentes às palavras.Ria muito quando ouvia as pessoas falarem: "Hoje vou assistir ao jogo de abertura da Copa do Mundo de futebol" ou "Como faz frio hoje". Ria porque não entendia mais nada. Mas o triste da história é que ninguém mais o entendia e ele também não entendia mais ninguém.

Por esta razão decidiu não dizer mais nada. Retirou-se para casa, só falava consigo mesmo e se entendia. Perguntas: dá para viver juntos e nos comunicarmos sem criar convenções? Até que ponto podemos inventar sentidos a nosso bel prazer?” *


NOSSA NOTA OU PERGUNTA

Até que ponto poderemos continuar, na área de ciência da informação, sem um arcabouço teórico convencionado.

O objeto de estudo da ciência da informação tem sido um constante construir de práticas relacionados com a criação, armazenamento e distribuição da informação. A explicação teórica para estas prática vem correndo atrás (quando vem) mas sem um consenso ou entrosamento em um corpo já aceito.

Em cada pesquisa na área, incluindo os estudos de doutorado, vemos a articulação de uma base teórica privada para aquele caso específico; como uma condição provisória estas colocações teóricas não se a juntam a uma base conceitual conveniada.

Muitas destas explicações teóricas vão buscar em outras áreas, de modo livre e desordenado, os conceitos, instrumentos e métodos para refletir e ordenar a sua pesquisa. Tudo em nome de uma solitária interdisciplinaridade. Uma bagunçada mistura sem coerência.Já corremos o perigo, como na história acima, de ficarmos sem interlocutor ou de decidirmos não falar mais nada, ou o que é pior, as outras áreas, não entenderem mais nada do que falarmos.Realmente não podemos inventar sentidos a nosso bel prazer.

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* Fonte: fragmentos do artigo de Leonardo Boff,no Jornal do Brasil de 09/06/2006, 1º caderno,seção Opinião da edição impressa.