16 junho 2006

O congresso deve ficar fora da web

Por The Washington Post
em O Estado de S. Paulo
14 junho 2006

O Senado americano realizará hoje audiências sobre a "neutralidade da rede". A idéia é que os condutores e fios que formam a internet devem tratar todos os conteúdos igualmente. Uma aliança, cujos membros vão desde a Coalizão Cristã até a MoveOn.org, está exigindo que o Congresso estabeleça esta neutralidade em forma de lei. Essas entidades temem que, do contrário, os donos das companhias condutoras - empresas a cabo, companhias telefônicas e assim por diante - ofereçam conteúdo corporativo de alta velocidade cobrando taxas elevadas , enquanto direcionam sites políticos na web e aficionados pela web para um caminho secundário de informações lentas.

Esses argumentos são ampliados pelas grandes empresas de internet - Google, Microsoft, eBay - que desejam que seus serviços sejam entregues rapidamente mas não querem que os donos dos condutores cobrem taxas deles. Embora esta coalizão tenha perdido uma votação na Câmara na semana passada, suas perspectivas são melhores no Senado.

Os defensores da neutralidade sugerem, absurdamente, que uma internet não neutra fique parecida com uma TV a cabo - um meio de comunicação através do qual é oferecido somente conteúdos de empresas. Esta analogia deixa de lado o fato que o mercado de conexões de internet, diferentemente do de televisão a cabo, é competitivo. Mais de 60% dos códigos de endereços postais (CEPs) dos Estados Unidos são atendidos por quatro ou mais provedores de banda larga que concorrem entre si para dar aos consumidores o que eles querem - acesso rápido para o leque completo de sites na web, incluindo os da liga de futebol de seus filhos, das fotos de seus primos, o MoveOn.org e a Coalizão Cristã. Se um provedor de banda larga tornar mais lento o acesso para os blogueiros alternativos, a blogosfera se erguerá em protesto e o provedor poderá perder clientes.

A analogia com a TV a cabo é duplamente errada porque a cultura da mídia é um reflexo da tecnologia. A TV a cabo tem sido a província de estúdios de Hollywood porque fazer uma comédia de situações (sitcom) é dispendioso e difícil - embora isso esteja mudando com as câmeras de vídeo digitais baratas. Da mesma forma, a internet é a província dos experimentadores e aficionados porque criar seu próprio site na Web é barato e fácil. Graças à tecnologia, a internet sempre será uma mídia relativamente democrática cujas barreiras para entrada são baixas.

O argumento sério em favor da neutralidade da rede não tem nada a ver com o fantasma da televisão a cabo. É que uma rede não neutra erguerá barreiras para entrada apenas ligeiramente - mas o suficiente para ser alarmante. Usando uma analogia muito melhor - os supermercados competitivos visam agradar os clientes oferecendo todos os tipos de mercadorias, mas o inventor de um novo salgadinho tem que passar pelas dificuldades das negociações para ter um espaço para exposição do seu produto e poderá acabar na prateleira de baixo, o que diminui seus incentivos. Da mesma forma, se os proprietários dos condutores da rede oferecerem para as empresas em rápida ascensão serviços mais lentos do que os oferecidos às empresas já estabelecidas no mercado, o incentivo para inovar sairá prejudicado.

Será que o serviço de mensagens instantâneas ou telefonia pela internet teriam decolado se seus inventores tivessem que implorar às firmas de banda larga para portá-los? Esta preocupação não pode ser exagerada. As empresas ascendentes já enfrentam barreiras, enquanto as firmas estabelecidas já têm o reconhecimento da marca e investem em truques para fazer seus sites descarregarem mais rapidamente. A barreira extra criada pela falta de neutralidade da rede provavelmente será menor porque os donos dos condutores sabem que os consumidores querem acesso aos inovadores.

Porém, o outro lado tem argumentos poderosos. Se você quer inovação na internet, precisa de melhores portadoras - portadoras mais rápidas, menos suscetíveis aos hackers e spammers e melhores de formas que ninguém até agora pensou. A falta de incentivos para a inovação das portadoras é mais premente que a falta de incentivos para criar novos serviços na web. É possível constatar esse desequilíbrio na baixa valorização que Wall Street faz das empresas de infra-estrutura de internet como a Verizon (relação preço-lucro = 12) e seu encantamento com as firmas de serviço de internet como a Google (relação preço-lucro = 69). Pode-se ver, também, no fato de que a infra-estrutura de banda larga dos EUA está atrás da do Leste da Ásia e da Europa. A permissão para que os construtores de infra-estrutura da internet recuperem seus investimentos cobrando os Googles e os Amazons pelo uso da rede equilibraria os incentivos para inovação. Ironicamente, uma rede não neutra aceleraria a disseminação de banda larga veloz capaz de oferecer filmes, permitindo que os amadores com câmeras de vídeo rivalizem com os estúdios de Hollywood. Os defensores da neutralidade que criticam a TV a cabo corporativa devem levar isso em consideração.

O aspecto mais fraco da defesa da neutralidade é que os perigos alegados são hipotéticos. Parece improvável que os provedores da banda larga piorem os serviços da web que as pessoas querem e muito mais provável que usem a não neutralidade para cobrar por serviços aprimorados que dependem da entrega rápida e confiável, tais como alta definição em tempo real ou dados confiáveis para monitores do cardíacos. Se isto mostrar ser ruim, o governo deve interferir. Mas não deve oprimir a internet com uma regulamentação preventiva.