06 julho 2006

Creative Commons, os direitos autorais na era digital

Por Diego Assis
em O Estado de S. Paulo
3 junho 2006

Espécie de "segunda casa" do Creative Commons, o Brasil sediou, no penúltimo final de semana, o segundo encontro internacional dos líderes e simpatizantes do movimento, que militam por um direito autoral mais flexível e adequado aos tempos da internet e do remix. Idealizado há 5 anos pelo professor de Direito da Universidade Stanford Lawrence Lessig, o Creative Commons oferece ao autor um conjunto de licenças que permitem a ele "marcar" sua obra com certas liberdades combinadas - é permitido copiar e distribuir, por exemplo, mas não fazer uso comercial; ou ainda, é permitido copiar, distribuir e comercializar, mas esses mesmos direitos devem ser preservados na obra resultante. Como escreve Lessig em seu livro Cultura Livre, a bíblia do Creative Commons: trata-se de um modelo de "alguns direitos reservados" - um meio-termo entre o "todos os direitos reservados"do copyright tradicional e o "nenhum direito reservado" do copyleft. Entre uma palestra e outra - e bem antes de ser jogado na piscina do hotel Marriot de Copacabana ao final do evento - o professor teve a seguinte conversa com o Link:


Uma das principais discussões do encontro girou em torno da complexidade das licenças Creative Commons. Alguns sustentam que é necessário simplificá-las para atrair mais adeptos. Qual é a sua opinião sobre isso?

Eu adoraria que houvesse apenas uma ou duas licenças. Mas a realidade é que as pessoas têm desejos diferentes e, no lugar de dizer a elas como devem proceder, penso que, primeiro, é preciso trazê-las para um diálogo sobre liberdades usando as licenças Creative Commons. Depois, quando tivermos 1 bilhão ou 2 bilhões de obras licenciadas, poderemos conversar sobre como o fato de você ter escolhido uma licença não-derivativa está tornando seu trabalho inacessível para todas essas pessoas. Ou como o fato de ter escolhido a licença de compartilhamento também pode significar que outras pessoas não possam usar seu trabalho.


O número de obras licenciadas em Creative Commons já chega a 140 milhões na web. Qual é o impacto econômico que teremos com a flexibilização dos direitos autorais?

Acho que será enorme. E positivo. Pense sobre os modelos de copyright hoje. Eles aumentam dramaticamente o custo para que se usem os trabalhos - especialmente porque haverá advogados no meio. Se você reduz esse copyright apenas para aqueles trabalhos onde há um mercado comercial e deixa todo o resto em domínio público, então haverá diversos tipos de usos econômicos para eles, que não seriam possíveis no sistema existente. Você pode digitalizar filmes antigos, que não estão mais disponíveis, e torná-los acessíveis novamente, usá-los para educação. E isso você não pode fazer hoje. Os custos para liberar os direitos são muito altos. Os religiosos do copyright persuadiram o mundo de que, se aumentamos os direitos, nós aumentamos a propriedade. E isso é economicamente falso. O oposto é falso também. O que sempre compreendi como copyright é um equilíbrio útil, de bom senso. Em alguns momentos, aumentar os direitos na verdade prejudica a economia.


Organismos internacionais de comércio costumam ter uma posição muito dura quando o assunto é propriedade intelectual. Você vê alguma possibilidade de mudança ou flexibilização nesse campo?

Com certeza, sim. Principalmente por causa de países como Argentina, Brasil e Índia, que têm mostrado que é necesário fazer uma análise comercial antes de regular sobre qualquer coisa. E isso não é radical, é a coisa mais conservadora que você pode fazer! O impressionante sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO, na sigla em inglês) é o quão distantes elas estão de princípios básicos de uma legislação sensível, de avaliar se uma regulação pode fazer mais bem do que mal à sociedade. O que está guiando a WIPO é o que move os países mais poderosos, e o que guia os países mais poderosos são pequenos interesses econômicos dos que querem continuar a lucrar com obras que têm 100 anos de idade. Eu não os culpo, é o trabalho deles fazer dinheiro, é isso que as empresas fazem. Mas o que questiono é o fato de os governos desses países serem tão irresponsáveis ao proteger o interesse deles contra o interesse público. A Disney ganha, o interesse público perde.


Como você avalia a aproximação recente de empresas como Microsoft, Google e Yahoo! ao movimento Creative Commons?

Eu quero que o Creative Commons se torne uma plataforma na qual todas essas companhias confiem. A Microsoft reconheceu sabiamente que, ao construir uma ferramenta que permite às pessoas marcarem suas obras com licenças Creative Commons, está apenas acrescentando valor ao seu produto. Ela é uma das primeiras que investiu recursos próprios para permitir que seus usuários usem nossas licenças em aplicativos de desktop (leia mais ao lado). O mesmo com Google e Yahoo!, que incluíram nos seus mecanismos de busca tecnologias que permitem encontrar arquivos e páginas licenciados em Creative Commons. De novo, isso apenas torna seus sistemas mais valiosos. E somos a favor disso. O que não faremos é entrar em parcerias comerciais com ninguém. Porque não somos uma entidade comercial e não vamos fazer acordos que comprometam o que é importante para a gente. O Creative Commons não é um movimento dedicado a destruir o copyright, mas um movimento dedicado a reconstruir o direito autoral para que ele faça mais sentido na era digital.


Quais são seus próximos planos pessoais?

Já está escrevendo um próximo livro?Sim. No ano que vem estarei em Berlim, sem lecionar, e terei tempo para trabalhar no próximo livro. O foco principal é naquilo que chamo de sociedades "read-write" e "read-only", conceitos tirados da tecnologia da computação. Uma sociedade "read-only" é aquela na qual as pessoas são apenas receptoras; "read-write" é aquela em que as pessoas recebem, criam e compartilham. Penso sobre isso em três áreas separadas: no comércio, na cultura e na política. O século 20 foi essencialmente o século do "read-only". É a imagem do sedentário assistindo à televisão. É o tempo da política do "broadcasting": em vez de mobilizar pessoas, como acontecia na época da política de partidos, são feitos comerciais de 30 segundos. Agora, a tecnologia está mudando isso. Com a emergência blogs, as pessoas estão se engajando novamente para agir, em vez de consumir. É a sociedade "read-write".

1 Comments:

At 06 julho, 2006 01:51, Blogger Unknown said...

First Comment! Viva Fifa, bitches!

dsfef

 

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