14 julho 2006

Expansão da web muda o foco dos gigantes da mídia

Por Fran Ahrens
em O Estado de S. Paulo
8 julho 2006

Quando a tentativa do governo de tornar menos rígidas as normas sobre propriedade de mídia foi derrotada na Justiça, há dois anos, alguns comemoraram isso como uma vitória contra o fato de se permitir excesso de poder nas mãos de uns poucos barões da mídia. Agora, o governo está tratando da questão novamente, mas o cenário na mídia é radicalmente diferente.

Desde 2003, os gigantes da mídia têm expandido sua presença na internet, comprando sites de sucesso na web ou redobrando esforços. O continuado surgimento de internet de alta velocidade, a melhoria do conteúdo online e uma explosão de dispositivos portáteis se combinaram para dar à grande mídia um alcance muito maior e potencialmente maior influência do que teriam se fosse permitido às empresas comprar mais algumas estações de televisão.

Na semana passada, a Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações) votou para que essa questão pegajosa da propriedade de mídia fosse retomada. Desta vez, a agência planeja afrouxar algumas normas, permitindo que as empresas de mídia de grande porte se expandam. Por exemplo, pela primeira vez desde 1975, provavelmente será permitido a um jornal comprar a estação de televisão mais popular na mesma cidade.

Mas os tempos, a tecnologia e o mercado de mídia mudaram tanto desde a última vez que a FCC começou sua revisão sobre propriedade, em 2002, que algumas das mesmas gigantes da mídia que antes fizeram lobby em favor das mudanças na época - tais como o Tribune Co. - talvez tirem pouco proveito das mudanças desta vez.

Em 2002, as gigantes da mídia já haviam sido prejudicadas pela internet. A recente fusão AOL Time Warner Inc. assumiu uma redução no valor do ativo de US$ 10 bilhões graças aos maus negócios e à queda na receita da America Online. A Walt Disney Co. perdeu milhões no seu portal na internet Go.com.

Os iPods ainda estavam nas pranchetas da Apple Computer Inc. Quase todos os usuários da internet tinham conexões discadas, o que tornava o vídeo online quase tão assistível quanto um filmede Zapruder - o cineasta amador que registrou o assassinato do presidente John Kennedy com uma câmera de 8 milímetros).

A Yahoo Inc. não era a potência multimídia que é hoje. O YouTube e seu estoque de 70 milhões de vídeos não existiam. Nem o MySpace e sua comunidade global de usuários. E o Google era o mais popular mecanismo de busca na internet, mas não era ainda o monstro gerador de receitas cujo modelo de publicidade está sendo imitado por todos na mídia tradicional.

Em maio de 2003, Mel Karmazin disse a uma comissão do Senado que devia ser absoluta e positivamente permitido à sua Viacom Inc. - então a controladora da CBS - comprar mais estações de televisão. Era essencial para o futuro da empresa, disse ele.

Os pedidos de Karmazin não deram em nada. Embora a FCC tivesse afrouxado as normas sobre propriedade naquele ano, a Justiça as derrubou em 2004 e o Congresso aprovou uma lei impedindo a CBS de comprar mais estações.

Ocorre que não apenas a CBS sobreviveu como também se tornou uma rede de primeira linha. A empresa prevê seu futuro não tendo mais estações de televisão e sim ampliando seu fluxo de receita que era um plano B em 2003 - a internet e seus várias reproduções de downloading e streaming digitais, canais que dão um impacto muito maior do que estações de televisão locais.

"O desafio da CBS agora é como comercializar seu conteúdo e, uma vez que estamos impossibilitados de fazer isso comprando mais estações, estamos fazendo isso de outras formas", disse Martin D. Franks, vice-presidente-executivo de relações com o governo da CBS Corp. "Tivemos que nos adaptar ao que o regime regulamentador nos concedeu."

Para ajudar a compartilhar o imenso custo do contrato da rede com a NCAA para apresentar o torneio de basquete masculino universitário sempre em março (US$ 6 bilhões no decorrer de 11 anos), este ano a CBS comprou a CSTV Networks Inc., que transmite esportes ao vivo pela internet e televisão a cabo. A média de usuários do site na web é de mais de 8 milhões por mês e na rede a cabo, de mais de 15 milhões de domicílios - um alcance muito maior que qualquer estação de televisão metropolitana.

Este mês, a CBS começou vendendo episódios dos seus seriado de grande audiência - CSI, Survivor e outros programas - via Apple's iTunes, seguindo o exemplo da ABC, por US$ 1,99 cada. Também a rede lançou um site na web sustentado por anúncios, o ShowBuzz, com notícias sobre celebridades e entretenimento.

As circunstâncias também mudaram para a Tribune Co. Em 2003, a Tribune era uma cadeia de 13 jornais e 26 estações de televisão que queria comprar mais estações de TV em cidades onde já tinha jornais, na esperança de colher grandes lucros com publicidade.

Agora, a empresa está vendendo estações de televisão, enfrentando uma revolta dos acionistas por causa de seu direcionamento e não consegue descobrir como combinar a publicidade em televisões e jornais locais em seu proveito.

A Tribune tem uma participação acionária na CareerBuilding, um site de classificados de emprego na internet, e está trabalhando para ampliar o impacto online de seus jornais. Se a FCC retirar a proibição da propriedade cruzada de jornais e estações de televisão, a Tribune provavelmente não comprará mais estações de televisão, segundo uma fonte que falou sob a condição de que seu nome fosse mantido no anonimato por causa da natureza melindrosa da divergência em andamento com os acionistas.

A News Corp, de Rupert Murdoch, foi uma das primeiras gigantes da mídia a mudar seus métodos depois que os últimos regulamentos foram derrubados em 2004. A empresa lutou para criar duopólios - grupos de duas estações de televisão - no maior número de cidades que conseguisse. Em Washington, por exemplo, a News Corp é dona da WTTG (Canal 5) e da WDCA (Canal 20).

Tais duopólios somam recursos para economizar custos e tornam a propriedade de uma estação de TV ainda mais lucrativa do que já é. Geralmente, uma estação de televisão produz margens de lucro anuais de 25% a 50%. Mas os duopólios só eram permitidos nas maiores cidades. As normas de 2003 da FCC os teriam permitido em cidade menores e levantado a possibilidade de grupos de três estações, ou triopólios, nas maiores cidades, o que interessava a News Corp. Mas, quando a expectativa dos triopólios morreu em 2004, a News Corp voltou-se para a internet.

Em julho, a News Corp formou a Fox Interactive Media, um guarda-chuva para os muitos sites da empresa na web, tais como o FoxSports.com. Dias mais tarde, anunciou a compra, por US$ 580 milhões, do MySpace, o mais popular site de relacionamentos da Web. Os usuários postam perfis, marcam encontros, ouvem música, assistem vídeos e clicam em anúncios que rendem receitas para a News Corp. Na época da sua compra, o MySpace tinha cerca de 16 milhões de usuários mensais.

Esse número é agora de mais de 85 milhões no mundo inteiro e continua aumentando. A Fox precisa de 35 estações de televisão para atingir 134 milhões de telespectadores em todos os Estados Unidos.

Além disso, a News Corp está querendo se livrar de algumas de suas estações. A empresa e o presidente do conselho da Liberty Media Corp estão próximos de chegar a um acordo pelo qual a News Corp compraria de volta a participação acionária com direito a voto da Malone na News Corp em troca de algumas das estações de televisão do mercado intermediário da empresa.

Da mesma forma, a gigante do rádio, a Clear Channel Communications Inc, mudou de rumo depois da derrota de 2004 sobre as normas da mídia e "expandiu seus horizontes", disse Andy Lewis, vice-presidente-executivo de relações governamentais da empresa.

A Clear Channel cresceu graças a aquisições em massa no final da década de 1990, tornando-se a maior cadeia de rádio do país. Em 2003, a empresa procurou revogar as restrições quanto ao número de estações que podia ter em muitas cidades. Impedida, voltou-se para a internet.

Em 2004, a Clear Channel contratou Evan Harrison, chefe da unidade de rádio e música da America Online, para servir de ponta-de-lança nas incursões online da gigante do rádio. Sob a liderança dele, a divisão de música digital tornou-se o segmento de crescimento mais acelerado da Clear Channel. Os podcasts (programas de áudio gravados no formato MP3) produzidos pela Clear Channel venderam mais que todos os outros no iTunes.

"Assim é o rádio hoje, como nós o vemos", escreveu Harrison, via BlackBerry. "Temos que trabalhar todos os dias para criar uma melhor programação do que a MTV para formar nossa audiência. A idéia de que uma empresa radiofônica estaria competindo com um rede a cabo simplesmente era inconcebível há seis anos."

E, apesar de a Clear Channel gostasse se as restrições à propriedade de rádio fossem revogadas nas cidades maiores, as ambições de aquisição da empresa não são mais o que eram três anos atrás, um espelho do que acontece na indústria da mídia em geral.

"Não estou certo se existe uma demanda reprimida de mais consolidações", disse Mark Fratrik, vice-presidente dos pesquisadores de mídia BIA Financial Network Inc. "Creio que em 2006 o ambiente de mídia está muito mais apinhado, muito mais competitivo. Os grupos de rádio estão procurando oportunidades onde possam levar valor agregado e não ficar maior somente pelo interesse de crescer."