14 julho 2006

Projeto chinês restringe imprensa estrangeira

Por Joseph Kahn do The New York Times
em O Estado de S. Paulo
6 julho 2006

Um projeto de lei chinês que ameaça impor multas à mídia por noticiar fatos como surtos de doença, desastres naturais, distúrbios sociais e outros sem permissão se aplica tanto a organizações noticiosas estrangeiras como domésticas, afirmou na segunda-feira uma autoridade que participou da preparação da lei.

O projeto, que está sendo apreciado pelo Legislativo controlado pelo Partido Comunista, pede multas de até US$ 12.500 por reportagens não autorizadas sobre assuntos que qualifica de "incidentes súbitos" se as autoridades considerarem tais reportagens falsas ou nocivas para a ordem social da China.

Wang Yongqing, vice-ministro do Departamento de Assuntos Legislativos do Conselho de Estado (o gabinete de governo) da China, disse numa exposição a jornalistas que a lei se aplicaria a todas as organizações noticiosas estrangeiras, incluindo jornais, revistas e estações de radiodifusão, que geralmente operam sob regras diferentes das empregadas para a mídia noticiosa chinesa.

"Acho que elas devem ser incluídas - da mesma maneira que um jornalista chinês atuando na França ou na Grã-Bretanha tem de se pautar pelas leis desses países", disse Wang, respondendo à pergunta de um repórter sobre a aplicabilidade da lei a estrangeiros. "Ela visa à atividade. Todos que se envolverem em atividades de reportagem terão de cumprir essas regras.

"As organizações noticiosas estrangeiras com escritórios na China enfrentam restrições a viagens e são monitoradas de perto pelas forças de segurança.

Mas as autoridades encarregadas de propaganda em geral não tentam censurar reportagens estrangeiras como fazem com as publicações domésticas. Por isso, jornais, revistas e estações de radiodifusão estrangeiros às vezes investigam questões políticas e sociais delicadas, incluindo surtos de doenças e incidentes de protestos, que a mídia local não pode noticiar livremente.

Não está claro se os comentários de Wang Yongqing - que foram feitos depois que ele apresentou observações preparadas a um grupo composto principalmente de jornalistas estrangeiros no briefing - representavam uma decisão do governo de impor novas restrições a organizações noticiosas estrangeiras, ou eram uma expressão de suas opiniões pessoais.

O briefing foi realizado com o objetivo de tranqüilizar a mídia noticiosa: o vice-ministro procurou deixar claro que a finalidade principal do anteprojeto era punir autoridades públicas que falharam no trato de incidentes súbitos - como emergências sanitárias ou acidentes em minas de carvão. A principal seção da extensa proposta estabelece regras para responsabilizar funcionários públicos pela maneira como eles administram e reportam emergências.

A cláusula referente à mídia noticiosa, afirmou Wang, foi incluída para impedir um comportamento malicioso de jornalistas que enganem deliberadamente o público.

O governo aprecia e "até mesmo depende" da mídia noticiosa para noticiar ativamente eventos súbitos, e a lei não deveria impedi-la de expor a corrupção, desde que suas reportagens se mostrem exatas, disse Wang.


REAÇÃO VIGOROSA

No entanto, o briefing poderá não tranqüilizar as organizações noticiosas chinesas, que reagiram de forma inusualmente vigorosa. Algumas delas consideram o anteprojeto um passo atrás para a liberdade de imprensa.

Os críticos afirmam que a lei poderá ser usada por autoridades públicas para impedir a cobertura de greves, levantes, epidemias ou acidentes que elas queiram manter secretos. As autoridades encarregadas da propaganda já exercem uma influência considerável sobre a mídia noticiosa chinesa nesses assuntos, mas seu poder tende a ser informal, não codificado em lei.

O anteprojeto de lei diz que jornais, revistas, sites noticiosos na web e estações de televisão serão penalizados com multas de US$ 6.250 a US$ 12.500 toda vez que publicarem informações sobre um evento súbito "sem autorização."

Wang disse que as multas poderão não ser legalmente impostas a menos que as autoridades públicas tenham, elas próprias, adotado os procedimentos adequados no tratamento de eventos súbitos, e depois somente se as reportagens em questão forem consideradas falsas e perniciosas.

Mas a proposta suscitou amplas preocupações porque, segundo os jornalistas, um problema muito comum é as autoridades públicas locais tentarem restringir a cobertura da mídia temendo a agitação social, ou temendo que elas possam perder a confiança de seus superiores. Pela nova lei, seriam as autoridades locais que decidiriam sobre a aplicação de multas à mídia noticiosa.

Alguns jornais e revistas chineses atacaram o anteprojeto e o consideraram mal orientado, pedindo ao Legislativo que o revise.

"Acreditamos que o espírito de jornalismo vigilante deve ser mantido nesta lei", escreveu um comentarista de um jornal local, Chang Ping. "Mas na verdade esse projeto, em sua forma atual, faz exatamente o oposto disso e representa, sem dúvida, um passo atrás", acrescentou.