09 agosto 2006

O livro morreu? Viva o livro!

Por Paulo Roberto Pires
em No mínimo
9 agosto 2006

Éramos 148 editores de livros e revistas. Vindos de 32 países, de Ruanda à Suécia, isolamo-nos por onze dias no campus da Stanford University para, de longe, tentar enxergar melhor os desafios de nossos mundos. “Desafio”, aqui, não é figura de linguagem: de que serve o papel impresso num mundo atolado até o pescoço de informação, entretenimento e estímulos bem mais reluzentes do que a página de livro, revista e jornal?

Desde 1978 os Stanford Publishing Courses repetem o mesmo ritual, uma imersão nos problemas, complexidades, perdas (muitas) e ganhos (escassos) da cada vez mais difícil arte de ganhar a vida com a palavra impressa. No ar abafado de Palo Alto, pairava a tentação do diagnóstico alarmista: “o livro morreu?”. Nas entrelinhas de cada aula, uma resposta que tampouco se teve coragem de bradar: “viva o livro!”

Stanford é o berço das novas e novíssimas tecnologias de informação. Nos alojamentos da universidade, nasceram o Yahoo e o Google. Plantada no Silicon Valley, conjuga tradição inabalável com arrojos sem paralelo. E esta identidade da universidade funciona como uma metáfora perfeita para o curso de Book Publishing: afinal este é, em todo mundo, um business muito especial, que como um outro qualquer movimenta somas espetaculares e operações transnacionais mas que, como poucos outros, depende ainda fortemente de um núcleo artesanal – que é, finalmente, o trabalho do editor.

São assombrosos os números dos best sellers, assim como os valores das disputas por direitos autorais. Fenômenos como “Harry Potter” fazem com que o mundo inteiro gaste seus olhos com as mesmas histórias. Poucos grupos internacionais dominam editoras-chave em diversos países, uniformizando sucessos e buscando esconjurar o que se vê como “fracassos”. E, no fundo disso tudo, é preciso admitir, estão decisões pouco científicas ou calculadas que, por incrível que pareça, ainda fazem a diferença fundamental neste jogo pesado.

Um veteraníssimo executivo americano batizou sua aula de “Meus grandes erros”. Ao longo de uma hora, contou suas inúmeras decisões equivocadas – menos como uma lição de moral do tipo “meninos, não façam o que eu fiz” do que como uma sábia advertência: o imponderável ainda é um fator determinante neste negócio, por mais que o trabalho tenha se tornado quase científico. É assim, na base da intuição, que nascem best sellers e se perdem inúmeras oportunidades “imperdíveis”.

Um outro grande executivo, que saiu direto das revoltas estudantis de 1968 para o mercado do livro, não conseguiu até hoje decidir entre razão e sensibilidade. Ele já vendeu livros de livraria em livraria, já dirigiu uma mega-corporação e hoje é agente literário de sucesso. Para ele, os executivos “brincam de bingo” nas planilhas de custos enquanto o trabalho verdadeiro é decidido no olho-no-olho, no alarme que dispara na primeira leitura de um sucesso em potencial – um alarme que também, como se viu, pode perfeitamente “enguiçar”.

Ambos são legítimos representantes da “velha escola”, mas acabam tendo muito em comum com os defensores mais ferrenhos das novas tecnologias e estratégias minuciosamente planejadas para o mercado editorial. E este ponto em comum é, especialmente, o fascínio pela grande qualidade tecnológica deste estranho objeto que, em qualquer lugar, pode erguer e destruir mundos, disparar imaginação, levar à ação, emocionar e fazer pensar: o livro.

O fato é que não há palmtop, e-book ou qualquer outra traquitana mais inteligente do que os maços de papel encadernados que, como a gente, envelhecem e, diferentemente de nós, têm a virtude de permanecer no tempo. E aí vai pouco idealismo e bastante pragmatismo: livros e putas, escreveu Walter Benjamin, “podem-se levar para a cama”. E, relacionando uns e outras, o filósofo alemão continuava no célebre ensaio “Rua de mão única”: “Livros e putas – raramente vê seu fim alguém que os possui”.Éramos, como eu dizia, 148 editores – de revistas populares e chiques, de editoras de todos os tamanhos e personalidades, diretores editoriais e designers, proprietários de grandes empresas ou funcionário-diretor-office boy de um negócio nascente. Nas salas de aula, viramos... alunos. Havia intriga contra o colega mais chato (logo identificado), atenções especiais para as colegas bonitas, bagunça antes de começar a aula, festa depois da aula, tensão e correria na véspera de apresentação do trabalho final para os professores.

Assim, distantes de nossas rotinas até nos detalhes mais cotidianos, andando de bicicleta para não perder nenhum compromisso numa intensa agenda iniciada às 8 da manhã (sem sábado nem domingo de folga), pudemos perceber o quanto podemos ainda estar tateando as novas possibilidades do livro. E, também, constatar que a melhor solução para esta “crise” do livro está no próprio livro. Ou melhor, na óbvia e difícil aposta neste objeto genial, feito de papel, costura, cola e, por que não, muita confiança no poder, ainda inabalável, da palavra impressa.

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