04 setembro 2006

De vagao em vagão, uma viagem pelos livros

Por Patrícia Villalba
em O Estado de S. Paulo
2 setembro 2006

As três horas diárias que o agente de segurança Wellington Ramos da Silva gasta para ir e vir de casa, em Suzano, ao trabalho, na Vila Mariana, são suficientes para que o Dr. Hannibal Lecter mate uma meia dúzia de desavisados em Florença. O cruel personagem de Thomas Harris será sua companhia pelos próximos dez dias, quando ele, se tiver sorte, será transportado para o mundo incrível de Sidney Sheldon, seu autor preferido. Tem sido assim, um livro depois do outro desde que o segurança de 25 anos se tornou sócio da biblioteca Embarque na Leitura, instalada na Estação Paraíso do Metrô.

Wellington diz que - "francamente" - sempre foi um leitor preguiçoso. Mas mudou, depois de namorar uma leitora voraz e catequista, que jogou em suas mãos O Outro Lado da Meia-Noite - ah, Sheldon. "O namoro acabou, mas ficou o hábito e o gosto pelos livros de Sidney Sheldon", atesta. "Pena que sejam tão concorridos."

O serviço é gratuito e o prazo é generoso - dez dias -, mas o usuário só pode levar um exemplar por vez. Para ser sócio, é preciso levar uma foto 3X4, um comprovante de residência, além de cópias e os originais do RG e CPF. A carteirinha fica pronta em cinco dias, e só com ela é possível retirar o livro.

Os livros são dispostos em vitrines, como numa livraria, de maneira bastante atraente. Foi lá que a professora de dança Renata Costa, de 31 anos, viu O Historiador, de Elizabeth Kostova. Levou para casa. "Gosto muito de ler, mas não posso comprar um livro por mês. Antes, eu alugava. Agora, não gasto nada para ler", diz, entusiasmada com o serviço.

Ontem, ainda eram 14 horas, longe do horário de pico, mas os vagões para Itaquera estavam lotados. De pé, mal se equilibrando, a auxiliar Sheila Cristina Marques, de 38 anos, viajava longe, nas imagens de areia branca e mar azul da Costa do Sauípe. Ela vai e vem todos os dias, da estação Arthur Alvim para a Clínicas. Lê sentada, se der, mas já acostumou até a ler em pé. "Peguei agora na biblioteca, para um trabalho de escolha do meu filho", conta.

Outro que lê em pé é o metroviário Davi Roberto Pereira, que já abre o livro antes de entrar no vagão. Vai de Itaquera a Tiradentes, percurso de 40 minutos. "Só leio no metrô mesmo, porque em casa os filhos não deixam", explica.

O projeto Embarque na Leitura é uma boa idéia que faz tremendo sucesso entre os usuários. Implantado com patrocínio da Usiminas e da Eletropaulo, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, está em expansão - ontem foi inaugurada uma nova unidade na Estação Luz. Em quase dois anos de funcionamento, as duas já existentes - Tatuapé e Paraíso - contam com 15 mil sócios, que fizeram 72 mil empréstimos, uma média de 133 livros por dia. "Nossa meta sempre foi ter dez unidades, mas agora com essa nova biblioteca na Luz, teremos uma boa distribuição na rede", explica a chefe do Departamento de Marketing do Metrô, Flávia Cutolo. O custo de implantação de uma biblioteca do projeto é de R$ 400 mil.