06 novembro 2006

Livraria Belas Artes fecha suas portas em SP

em Estadão.com.br
1° novembro 2006

A prateleira de poesia já estava vazia. De nada adiantou o choro inesperado, um punhado de boas recordações ou os discursos indignados. Nem um generoso desconto de 50% foi capaz de ressuscitá-los. No andar de cima, Fernando Pessoa, Nietzsche e Dostoievski repousavam em caixas de papelão. Em poucas horas, o vendedor Nelson Reis desceria as portas de um dos pontos mais representativos da cultura paulistana, a Livraria Belas Artes.

Apesar dos seus 27 anos (sempre na Paulista, quase esquina com a Consolação), a livraria não resistiu às Megastores, à internet e a uma proposta de reajuste de aluguel de R$ 10 mil por mês. Esta terça-feira foi o seu último dia de vida.

O fechamento da Belas Artes aumentou a lista de finais trágicos na região. Antes dela, outros pontos importantes para a história do lugar tiveram o mesmo destino - como o Bar Riviera e a lanchonete La Baguette. Além disso, esse parece ser o derradeiro golpe nas livrarias de pequeno porte da Paulista. Nos últimos meses, a 5ª Avenida e a Duas Cidades também encerraram suas atividades.

Um dos seus primeiros sócios, José Roberto Marinho, foi pego de surpresa pela notícia: "O quê?! Fechou mesmo! Lamento muito. É um pouco da minha história, um pouco da história da cidade indo embora."

LIVRARIA FOI ÍCONE CULTURAL

A Belas Artes foi criada em 1979 por um grupo de amigos, alunos da Universidade de São Paulo (USP) e membros do grupo trotskista Liberdade e Luta (Libelu).

Com a ditadura agonizando, a livraria tornou-se um importante ponto de encontro de intelectuais e boêmios. Nomes como José Serra, José Genoino, Fernando Henrique Cardoso e Marilena Chauí montaram parte de suas bibliotecas ali.

"É muito triste. Foi uma livraria de referência. Ela teve grande importância na história cultural desta cidade", disse a filósofa e professora da USP Marilena Chauí. "As grandes livrarias são shoppings. Só em locais como a Belas Artes a gente se sente bem", comparou o deputado José Genoino (PT-SP).

Seu segundo proprietário, José Luiz Goldfarb (que esteve à frente da livraria até 2003), também recebeu a má notícia pela reportagem. "É mesmo? Eles nem vão mudar de lugar? Eu lamento muito." Goldfarb lembrou das coisas inovadoras que a Belas Artes trouxe à Cidade. "Nós sempre estivemos na frente. A Belas Artes abria todos os dias, inclusive à noite. Além disso, ela foi a primeira livraria a ter um café."

Quem não parecia com muito remorso era o último proprietário, Luiz Eduardo, dono da editora Códice. "O aluguel foi para R$ 10 mil. Não tem como fazer milagre. Esse valor é impossível. O dono do imóvel deve estar querendo o espaço de qualquer jeito." Sobre as lamentações de clientes históricos, Eduardo foi categórico: "Eles choram agora. Mas estavam comprando na Cultura, na Saraiva... Diziam que a gente andava careiro."

1 Comments:

At 21 dezembro, 2015 23:44, Anonymous Anônimo said...

A livraria física não foi montada em 1979, mas sim em 1982, por volta de abril, na mesma época da invasão argentina das Falklands. É provável que o ano de 1979 se refira a abertura da pequena editora criada pelo mesmo grupo de amigos, a Ched Editorial, que era a razão social original da Belas Artes. Foram esses primeiros proprietários que tiveram a ideia de criar um bar no piso superior. Mas o incêndio do cine Belas Artes foi um duro golpe para os sócios, que em dificuldades acabaram por abrir mão do mesmo, e que foi assumido pelo José Luiz lá por 1985.

 

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