10 janeiro 2007

1.400 profissionais das artes em pé de guerra contra "as derivas mercantis" do Louvre

Por Harry Bellet
em Le Monde
9 janeiro 2007

Eles eram um pouco mais de 1.400 naquele amanhecer da segunda-feira, 8 de janeiro. A cada dia que passa, o número aumenta. A tal ponto que o movimento deu início a uma polêmica sem precedente no mundo dos museus na França. Polêmica essa que tem o Museu do Louvre como alvo.

Essas 1.400 pessoas que, na sua maioria, exercem responsabilidades no mundo das artes, assinaram a petição elaborada pelo site www.latribunedelart.com e intitulada "Os museus não estão à venda". O texto da petição retoma um artigo de opinião publicado no "Le Monde" de 13 de dezembro, de autoria de Françoise Cachin, diretora honorária dos Museus da França, Jean Clair, um antigo diretor do Museu Picasso, e Roland Recht, um professor no Collège de France. Este texto estigmatiza uma perda de rumo e uma "deriva mercantil" de certos museus, do Louvre em particular, que consiste em alugar obras prestigiosas, e até mesmo a sua marca, para outros museus, de maneira a aumentar os seus recursos próprios.

Dois eventos deixam os signatários da petição particularmente indignados. Em primeiro lugar, há a operação Atlanta (Geórgia), nos Estados Unidos: o Louvre emprestou 185 obras para o High Museum, onde elas se encontram expostas desde 14 de outubro de 2006 e por um período de onze meses, mediante a quantia de 13 milhões de euros (R$ 36,27 milhões). O fato de várias peças essenciais, de valor incalculável, estarem incluídas na remessa, entre outras o retrato de Baldassare Castiglione por Rafael (Raffaello Sanzio, 1483-1520), irritou a muitos.

Mas, para os signatários da petição, "o pior está por vir". Eles denunciam o projeto de construção, previsto para 2012, de um Louvre em Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos. Diante disso eles se dizem preocupados com prováveis "empréstimos de longo prazo" por parte dos museus franceses, que com isso perderiam "a sua alma" em troca de dinheiro.

Numa entrevista publicada no "Le Monde" de 22 de dezembro, a diretora dos Museus da França, Francine Mariani-Ducray, até tentou responder às críticas do trio Cachin, Clair e Recht, estimando que o fato de "emprestar obras de arte para o emirado de Abu Dabi, no quadro de uma cooperação cultural de um Estado com outro, em nada pode ser assimilado a vender os museus franceses". Mas, de nada adiantou. A petição não parou de mobilizar um grande número de profissionais das artes, escandalizados por essas práticas.

O site de "La Tribune de l'Art" vai revelar, nesta terça-feira (9), os nomes dos primeiros signatários da petição. O "Le Monde" teve acesso a esta lista. Nela não se encontram nomes famosos ou repercutidos pela mídia, nem mesmo aqueles que costumam participar dos abaixo-assinados. Nem mesmo nomes de diretores de museus parisienses. E tampouco os dos conservadores do Louvre, obrigados a observar um dever de reserva.

"Eles são vulneráveis", explica Didier Rykner, o diretor do site, que atua como ponta-de-lança nesse combate. "No passado, os chefes de departamento do Louvre tinham a autoridade para dizer não a certos projetos. Mas hoje, eles são vítimas de um clima de terror". Rykner também afirma que "dois antigos diretores de departamento do Louvre" assinaram a petição.

MUITOS NOMES RESPEITADOS

Dentre os signatários estão uma diretora de um grande museu da província, ou ainda o responsável de um estabelecimento muito importante da arte contemporânea. Mas, acima de tudo, a lista mostra que um conjunto de tamanho considerável de profissionais da história da arte e dos museus da França está em pé de guerra.

Muitos nomes respeitados figuram entre os 320 historiadores de arte signatários e os 140 conservadores de museus que exercem sua função na província. Mas alguns dos signatários já se dizem preocupados: "Eu assinei a petição por convicção", escreve um deles, "Mas estou arrependido. Na minha qualidade de diretor de estabelecimento, eu corro o risco de me ver criticar por estar infringindo o meu dever de reserva. Seria possível retirar a minha assinatura?" Um outro afirma, ao contrário, não temer quaisquer "represálias em particular".

Oitenta e cinco signatários são oriundos do exterior, e, dentre eles, uma dúzia é dos Estados Unidos. Um russo indica que "muitos conservadores russos compartilham a sua opinião, mas, infelizmente, eles são mais prudentes, uma vez que as opiniões independentes não são aceitas, nem no Museu do Ermitage, nem no Museu Puchkin".

Cerca de trinta assinaturas vêm do Brasil, dentre as quais a de Jorge Coli, um professor na Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, que explica a sua posição: "O lamentável exemplo proporcionado pelo mais prestigioso museu do mundo terá, sem dúvida alguma, conseqüências nefastas sobre o comportamento de numerosas instituições em todos os países".

Cachin, Clair e Recht também citam, na sua petição, Philippe de Montebello, o diretor do prestigioso Metropolitan Museum de Nova York, que, já em 2003, havia "lançado uma advertência severa contra a comercialização desenfreada do patrimônio público, em particular por meio do sistema dos 'loan fees' (empréstimos pagos) de obras, e a tendência de certos museus a se orientarem para os 'mercados culturais' e os 'parques de lazer'".

Isso porque, muito além do Louvre, é a tendência dos grandes museus a se globalizarem que vem preocupando os especialistas. Henri Loyrette, o patrão do Louvre, recebeu o apoio de Jack Lang, o antigo ministro socialista da cultura, em entrevista ao diário "Libération" de 6-7 de janeiro.

Mas isso não convenceu nem um pouco Didier Rykner: "Os museus estão se tornando estoques de ativos que muitos estão gerindo como bem entendem. A prática de emprestar obras de arte é indispensável para promover o progresso do conhecimento. Mas esses movimentos mercantis não possuem nenhum caráter científico. São apenas decisões de administradores".


Tradução: Jean-Yves de Neufville