10 janeiro 2007

História brasileira em risco

Por Flávia Lindgren
em Jornal da Ciência
10 janeiro 2006

Documentos que contam a história da sociedade civil brasileira durante quatro séculos, que se encontram sob custódia da Igreja Católica, estão em situação de calamidade. Eis o diagnóstico feito pelo bibliotecário Cristian José Oliveira Santos, 29 anos, em sua dissertação de mestrado defendida na UnB.

O bibliotecário Cristian José Oliveira Santos, 29 anos, terminou o ano de 2006 com uma surpresa agradável. Sua dissertação de mestrado foi o único trabalho brasileiro contemplado na primeira edição do concurso Latino Americano de Investigación em Bibliotecología, Documentación, Archivistica y Museología Fernando Baéz, na Argentina, que visa a premiar os melhores trabalhos na área de Ciência da Informação e Documentação.

"Pelo fato de eu ter apresentado meus ensaios em português, achei que minhas chances fossem menores. Foi uma surpresa fantástica quando vi meu nome entre os agraciados", afirma Cristian.

Defendida em julho de 2005, sob a orientação da professora do Departamento de Ciência da Informação e Documentação (CID) da Universidade de Brasília (UnB), Georgete Medleg, a dissertação de Cristian ganhou destaque por investigar a conservação de documentos brasileiros produzidos e guardados pela Igreja Católica na época do regime de padroado (1551-1854). O diagnóstico a que ele chegou é preocupante: de maneira geral, os papéis que contam quatro séculos de história da sociedade civil e religiosa brasileira estão em situação de calamidade.

"Meu interesse pelo assunto surgiu em 2002, quando li um artigo do padre Jamil Nassi Abibib, que palestrou sobre os problemas dos arquivos eclesiásticos da Igreja Católica em uma mesa-redonda no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Entrei em contato com ele e descobri que ninguém havia feito uma pesquisa nesse sentido", relembra Cristian. A intenção do trabalho desenvolvido, explica, é sensibilizar as autoridades e auxiliá-las na preservação desse patrimônio cultural. "Se perdermos esses registros, perderemos parte da nossa história para sempre", diz o pesquisador.

Metodologia - Durante o período do padroado, entre 1551 e 1854, foram criados 11 arquivos das primeiras prelazias e dioceses brasileiras. São atas de óbito, certidões de batismo e casamento, atas das irmandades, documentos de propriedade de terra, entre outros. Todos importantes para qualquer pesquisa sobre o século XVII, por exemplo."

Se alguém quiser saber do que as pessoas morriam naquela época, precisará necessariamente ter acesso a esses arquivos", afirma Cristian. Com isso, sua pesquisa foi voltada para essa época, quando ainda não existiam cartórios e todos os documentos civis eram produzidos em série e ficavam guardados nas dioceses.

Até hoje esses arquivos estão sob custódia da Igreja Católica, nas cidades de Goiás (GO), Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ), Olinda (PE), São Luís (MA), Belém (PA), São Paulo (SP), Mariana (MG), Cuiabá (MT), Porto Alegre (RS), Diamantina (MG). Desse universo, oito responderam à pesquisa de Cristian (menos Rio de janeiro, Belém e Olinda), que partiu de questionários. Ele ainda fez um diagnóstico in loco em Goiás, onde também realizou entrevistas.

Dentre os quesitos levantados durante a investigação, Cristian Santos conta que procurou abordar aspectos importantes, como as características dos documentos, se são encadernados, se foram descartados e substituídos; a estrutura física do prédio que comporta os arquivos - se foi construído especificamente para essa finalidade, se apresenta medidas contra incêndio, ambiente ideal em termos de umidade e temperatura.

Ele avaliou ainda quem são as pessoas que cuidam dos documentos, se são arquivistas ou têm alguma formação dirigida à conservação adequada dos mesmos.

Resultados - Dos vários problemas encontrados, a pesquisa revelou que 100% dos arquivos não estão conservados na temperatura e umidade ideais e apenas dois estão protegidos contra incêndio (Salvador e São Paulo). Nenhum deles apresentam condições adequadas para realização de pesquisas por estudiosos, ou seja, não são organizados por catálogos; nenhum dos prédios foi construído especificamente para receber os documentos e, com exceção da cidade de Mariana (MG), os demais não contam com quadro fixo de profissionais da área de Arquivologia."

Os problemas são muitos, a situação é calamitosa", revela o bibliotecário. Ele critica a Igreja Católica brasileira ao afirmar que ela não se mostra preocupada com a conservação desse patrimônio.

Para solucionar os problemas apontados, o pesquisador faz algumas recomendações e afirma que não são as únicas medidas que devem ser tomadas pelo Estado em parceria com a Igreja Católica, mas que são as emergenciais.

Entre elas, Cristian sugere a criação de um órgão central permanente que seja responsável por definir uma política adequada para esses arquivos, prestando um serviço de assessoria. "Isso uniformizaria a coleta, a conservação, o tratamento e o uso desses fundos documentais", explica.

Além disso, sugere a criação de um regulamento interno que defina como esses arquivos serão guardados, onde eles ficarão, quem cuidará deles, e assim por diante. Por fim, o que ele acredita ser o mais importante: estabelecer critérios mínimos para processar as informações arquivísticas, ou seja, criar um padrão de identificação bibliográfica a eles, palavras chaves, assuntos abordados e tipologia, por exemplo.

"Isso permitirá o intercâmbio dessas informações entre entidades, instituições de ensino e outros", conclui.