10 janeiro 2007

Livro ganha espaço na estante das crianças

Por Eliane Sobral e Tainã Bispo
em Valor Econômico
2 janeiro 2007

Os livros estão ocupando um espaço cada vez maior nas estantes onde crianças e adolescentes costumam espalhar seus jogos de vídeo e computador. Mais dispostos a dividir o tempo entre a tecnologia, que estimula escrita e leitura, e a literatura, meninos e meninas reagem à estratégia adotada por editoras na década de 90.

"As crianças estão lendo muito mais, mesmo com outras coisas para fazer", afirma Armando Antongini, diretor-executivo da Câmara Brasileira do Livro (CBL).

Ana Paula Cortat, diretora de planejamento da agência de publicidade Leo Burnett, reforça a tese e diz que é um erro imaginar que as crianças de hoje estejam voltadas exclusivamente à tecnologia na forma de mensagens de telefone celular, sites e blogs. "Os jovens estão cada vez mais acostumados a consumir informação e eles são receptivos tanto a algo que os complete num ritmo frenético, quanto por algo que sirva para eles desacelerarem. O livro entra nesse segundo momento".

Antongini, da CBL, lembra que no início dos anos 90 as editoras perceberam um vácuo no mercado. Poucos autores brasileiros se dedicavam ao segmento infantil e não havia muitas opções de livros para essa faixa etária. Assim, até a década de 80, as escolas iniciavam os alunos na leitura com obras de autores como Machado de Assis e Eça de Queiroz. Os livros adotados, diz Antongini, eram complexos e difíceis para os alunos em seu primeiro contato com a literatura.

O setor decidiu, então, aumentar o número de lançamentos para os consumidores mirins. De lá para cá, o negócio fica cada vez mais forte no catálogo de editoras como Record e Siciliano. Harry Potter, a série de livros escritos pela inglesa J. K. Rowling, também deu um bom empurrãozinho.

A CBL não possui números recentes que comprovem o aumento do consumo de livros entre crianças e jovens. Mas, em agosto, divulgou um relatório sobre as vendas de 2005 que mostra o movimento das editoras nesse sentido. A quantidade de títulos infantis lançados naquele ano cresceu 32,3% em relação a 2004. Chegaram às prateleiras das livrarias e bibliotecas 2,7 mil novas obras no período. O número de lançamentos juvenis ficou na casa dos 1,7 mil, uma alta de 10,2% em relação a 2004.

Segundo Ana Paula Cortat, há cinco anos, o índice de leitura crianças entre 10 e 15 anos era próximo de zero. "Hoje é de quase 20%", diz a publicitária, sem dar mais detalhes do levantamento feito a pedido de um dos clientes da Leo Burnett. Ela acredita que o hábito de leitura cresce entre as crianças como uma resposta dos investimentos que as editoras têm realizado. Prova de que crianças e adolescentes costumam responder e muito rapidamente aos estímulos, foi a campanha de incentivo à leitura que o canal de música MTV deflagrou entre novembro de 2004 e abril de 2005.

No início, a mensagem da MTV "desligue a televisão e vá ler um livro" aparecia na tela por apenas 30 segundos, mas a repercussão foi tão positiva que o tempo de veiculação subiu para inacreditáveis 15 minutos. E foi a reação do público que provocou o aumento no tempo de exposição da frase na tela, segundo a MTV.

Além de colher os resultados da estratégia plantada já há alguns anos, as editoras contam com o bom apetite do governo, que é o maior comprador de livros do país. A aquisição de obras infanto-juvenis para bibliotecas de escolas públicas do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) foi 22% maior em 2006, em relação a 2005, quando foram comprados livros para escolas de 1ª a 4ª séries.

Até o final deste mês de janeiro, serão distribuídos 7,233 milhões de exemplares nas escolas. Além disso, há a expectativa de que o governo passe a comprar livros para as bibliotecas do ensino médio ao longo de 2007 para serem usados em 2008, diz Sônia Schwartz Coelho, coordenadora de produção e distribuição dos programas do livro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

A combinação entre o marketing das editoras e o aumento no número de títulos voltados para este público pode acalmar os espíritos mais críticos. "Ainda é comum ouvir os mais velhos de hoje dizendo temer o tipo de adulto que a superficialidade da internet vai forjar para o futuro", afirma Ana Paula Cortat, da Leo Burnett."

Uma pesquisa realizada em 2004 pelo Instituto Ipsos mapeou os hábitos de consumo de crianças de 10 a 12 anos de idade e concluiu que, nas classes A e B, 44% delas possuem telefone celular; 23% têm seu próprio computador e 22% seu próprio DVD ou videocassete. "A garotada é muito bem informada e sabe aproveitar muito bem as ferramentas das quais dispõe. O que quer dizer que não eles não vivem o dilema da exclusão. Ou ler um livro ou navegar na internet. Eles fazem os dois com maestria".

A publicitária observa que ao mesmo tempo em que crianças e adolescentes querem interagir e criar seu próprio conteúdo, eles também querem dispor de uma história pronta, com começo, meio e fim. "Por isso acho um erro imaginar que outras formas de lazer, de entretenimento, concorram com um bom livro".