05 março 2007

Citações desgovernadas

Por Aldo de Albuquerque Barreto

Técnicos do Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde fizeram um estudo sobre a produção acadêmica nacional no período 1994 e 2003. Encontram 248 artigos técnico-científicos que foram citados mais de 100 vezes por outros artigos indexados na base Thomson-ISI (Institute for Scientific Information).

Partindo do pressuposto que a repercussão de um "artigo" e consequentemente sua qualidade é medida pelo número de menções que ele recebe de outros artigos, foram indicadas as áreas em que o Brasil supostamente "brilha" na produção intelectual e que seriam:

- Saúde: cirurgia vascular, moléstias vasculares, metabolismo de doenças, doenças infecciosas, contraceptivos orais e seus efeitos colaterais;

- Neurociências: farmacologia experimental, memória, conexões sensomotoras
Biodiversidade: floresta amazônica;

- Química: metabolismo oxidativo das células, catálise química, líquidos iônicos;

- Genética: sequenciamento genético, distrofia muscular humana;

- Física: física de partículas, física quântica, física experimental.

O estudo apresenta alguns problemas, como ele mesmo indica, e dentre eles a falácia que induz os campos determinados mais produtivos, ou mais em moda, ou de utilização mais abrangente, de serem passíveis de obter maiores citações de seus artigos. Algumas áreas extremamente produtivas no Brasil como: as engenharia, a antropologia e a veterinária não aparecem como citadas por não serem áreas "quentes" ou publicadas em veículos de divulgação com o "fator de impacto" *. O fator de impacto e a qualificação de artigos quentes e de periódicos quentes** dão condições adotadas pela ICI para contagem das citações.

Pela configuração das áreas que brilham e por intuição nossa nossa, é possivel ainda, que as citações possam estar induzidas pelo fomento das multinacionais de produção de fármacos.

O mesmo problema detém as citações nas humanidades, que devido a especificidade de sua problemática e o tempo de maturação para uma aplicação comercial, não tem seus artigos citados "com impacto" internacionalmente. As humanidades tem uma barreira para analogias, pois são cenário e contexto dependente e seus periódicos não tão quentes e sem o tal fator de impacto, fator este inventado mas severamente observado pelo Thomson-ISI, a fonte do estudo referenciado.

Existem no estudo atual, outros problemas relacionados à autoria, auto-citação e co-citação no das áreas ditas mais brilhantes no Brasil: dos 280 artigos mais citados 108 (43 %) são da área de medicina e biomédica. Os artigos mais citados possuem, em média, 21 autores por artigo e de dez diferentes países. Alguns autores, neste somatório, enviaram só dados, para a formação do texto. Nos 37 artigos mais citados só 4 artigos são de responsabilidade exclusiva de brasileiros.

São artigos escritos a partir de uma convivência em redes eletrônicas de pesquisa. É evidente que isso tem seu lado positivo e é bom para a interação, participação e inclusão científica internacional.

Mas a co-citação e a co-autoria foram modificadas pelas condições das redes eletrônicas e algumas das características de qualidade dos colégios invisíveis tradicionais, onde a troca de informação em tudo denotava uma relação de afetividade temática e de objetivos da pesquisa e do pesquisador, não podem existir na imensa web.

A co-citação e co-autoria na rede reduz as associações emotivas na interação e traz possibilidades de heranças genealógicas entrelaçadas e de interesses individuais e corporativos. Daí o enorme receio de que, boa margem das co-citações e auto- citações destes artigos seja, também, devido a uma busca do reconhecimento rápido e prestígio prematuro além do retorno do fomento corporativo colocado nas pesquisas. *** Considerando o número de autores por texto, o tamanho e a origem desta família de citações é considerável e pode sim desgovernar uma análise por mais criteriosa suas intenções.

A interpretação de estatísticas possui enorme amplitude de reflexão; os interessados em estudos de citação devem conferir a fonte destes dados e de outros relacionados.

***

- Fonte: texto "Em que somos bons" da Revista de Pesquisa da Fapesp, nº 132, fevereiro de 2007;

- A base de dados ISI e seu processo de seleção de revistas;

- Citação, co-citação,auto-citação;

* The ISI impact factor;

** Artigos quentes e periódicos quentes, de Eugene Garfield;

*** The Open Research Web: A Preview of the Optimal and the Inevitable.