20 março 2007

Historiadores lutam com Bush por acesso a documentos

Por Patricia Cohen
Tradução de George El Khouri Andolfato
em The New York Times
8 março 2007

Em dezembro de 1989, um mês após a queda do Muro do Berlim, os presidentes George Bush e Mikhail Gorbachev se encontraram em Malta e, nas palavras de um porta-voz soviético, "enterraram a Guerra Fria no fundo do Mediterrâneo". A transcrição russa do encontro de cúpula foi publicada em Moscou em 1993. Quatorze anos depois, historiadores americanos ainda estão esperando que seu próprio governo libere uma transcrição.

Agora, legisladores e estudiosos estão esperando forçar a abertura de um acesso a tais documentos de arquivo, eliminando o que disseram ser o maior obstáculo à pesquisa histórica: uma diretriz emitida pela atual Casa Branca em 2001, que desacelerou enormemente ou impediu a liberação de documentos presidenciais importantes.

"Eu visitei a biblioteca Bush em 1999, esperando poder olhar" a transcrição de Malta, disse Thomas S. Blanton, diretor executivo de um instituto de pesquisa independente chamado Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington. Ele preencheu o pedido segundo a Lei de Liberdade de Informação, mas disse: "Eu ainda não a tenho e não sei dizer quando a terei".

A ordem executiva de 2001 do presidente George W. Bush restringiu o acesso aos registros presidenciais ao dar aos presidentes em exercício o poder de adiar indefinidamente a liberação de documentos, ao mesmo tempo em que estendeu o controle a ex-presidentes, vice-presidentes e suas famílias. Também mudou o sistema, de um que liberava automaticamente documentos 30 dias após o ex-presidente ou presidente em exercício ser notificado para um que retém documentos até um presidente permitir especificamente sua divulgação.

Nesta quinta-feira (8/3), o Comitê da Câmara para Supervisão e Reforma do Governo deverá discutir um novo projeto de lei que derrubaria a ordem de Bush, disse uma porta-voz do comitê, Karen Lightfoot. Os patrocinadores, que incluem o presidente do comitê, o deputado Henry A. Waxman, democrata da Califórnia, esperam apresentar o projeto de lei no plenário da Câmara na próxima semana.

Allen Weinstein, o arquivista dos Estados Unidos, disse na quarta-feira que a ordem não está sendo usada para impedir que documentos presidenciais cheguem ao público, mas que obviamente "tem aumentado o tempo e adiamentos, que são endêmicos". O acúmulo de pedidos por documentos agora chega a cinco anos.

Para Weinstein, o maior problema é a falta de recursos e arquivistas treinados. Todo ex-presidente traz uma nova enxurrada de documentos e leva a um aumento nos pedidos por eles. Enquanto isso, um recente congelamento do orçamento reduziu o número geral de funcionários. Weinstein disse que sua equipe trabalha em formas para melhorar a eficiência, como agrupar juntos pedidos semelhantes.

Blanton culpou o comando anterior do arquivo por falhar inicialmente em responder às pressões adicionais sobre o sistema. Mas ele deixou claro que a mais recente ordem executiva agravou significativamente o problema. Em uma audiência no Congresso na semana passada, ele disse que o tempo de espera na Biblioteca Presidencial Reagan aumentou de 18 meses, em 2001, para 6 anos e meio.

"Havia um processo funcional, justo, organizado, claro e sensível para os registros presidenciais em vigência durante os anos 90", que a ordem executiva de Bush "derrubou e substituiu pelo oposto", disse Blanton. "Não é apenas errado, é estúpido."

A Lei de Registros Presidenciais de 1978, parte das reformas pós-Watergate, claramente deu à população americana a propriedade de documentos presidenciais, disse o historiador Robert Dallek, cujo livro mais recente, "Nixon and Kissinger: Partners in Power", será publicado no próximo mês. Mas a ordem executiva de Bush, ele disse, teve o efeito de devolver a propriedade aos presidentes e seus herdeiros.

Tendo escrito histórias altamente respeitadas sobre Franklin D. Roosevelt, John F. Kennedy, Lyndon B. Johnson e Ronald Reagan, Dallek disse que "minha experiência foi, particularmente com este novo livro, que há uma história muito diferente para ser contada do que um presidente e seus representantes gostariam de ouvir quando você consegue entrar e ler os registros".

Ele revirou os arquivos para montar seu novo livro, que revela que Henry A. Kissinger e Richard M. Nixon discutiram desde cedo a impossibilidade de vencer a Guerra do Vietnã, assim como momentos descuidados em que Kissinger se refere aos sul-vietnamitas como "pequenos amigos amarelos".

Os presidentes e os guardiões de seus legados prefeririam que tais detalhes embaraçosos não viessem à tona, disse Dallek em uma entrevista por telefone. Mas as evidências dos arquivos fornecem um "quadro muito mais honesto, mais franco, do que pensavam, do que diziam e dos atos de logro que praticavam", ele disse. "É importante para o país ouvir e saber."

A divulgação dos documentos presidenciais e transcrições telefônicas freqüentemente transformam a forma como o público e estudiosos vêem os presidentes. Fred I. Greenstein, um estudioso de presidentes, utilizou anotações originais feitas funcionários do governo das discussões para argumentar que Dwight D. Eisenhower, longe de ser ineficaz e não envolvido, foi um presidente notavelmente engajado que orquestrou cuidadosamente a estratégia durante seus dois mandatos.

Os documentos que deram uma visão mais clara da extensão das doenças debilitantes de Woodrow Wilson e John F. Kennedy -habilmente escondidas durante seus mandatos e após suas mortes- influenciaram a forma como as pessoas pensam sobre a saúde física e mental dos candidatos, assim como a transferência de poder em caso de um presidente ficar severamente debilitado. Blanton disse acreditar que a Casa Branca de Bush está principalmente preocupada em reverter o que considera uma erosão do poder presidencial após Watergate. "Isto propicia a vantagem adicional de dar ao presidente em exercício muito mais controle sobre a história", ele disse.

Mas se ele está correto sobre os motivos do governo Bush é algo que ninguém saberá até que os documentos do presidente sejam liberados - seja lá quando isto for.