05 março 2007

Projeto de museu em Abu Dhabi - Um Louvre no Deserto?

Por Heiko Klaas e Nicole Büsing
Tradução de Deborah Weinberg
em Der Spiegel
10 fevereiro 2007

Todo mundo ouviu falar do Louvre e do Moma, mas nem todos sabem que Abu Dhabi aspira ser uma das novas capitais culturais do mundo. Arquitetos famosos foram comissionados para construir os museus mais espetaculares em uma ilha ao lado da metrópole árabe.

Em 1791, houve dois eventos que não pareciam ter muito a ver um com o outro - ao menos à primeira vista. A tribo beduína de Bani Yas descobriu uma fonte de água doce perto do Golfo Pérsico e fundou um pequeno assentamento, que eventualmente tornou-se o emirado de Abu Dhabi. A milhares de quilômetros de distância, em Paris, a assembléia constituinte da França após a revolução emitiu um decreto nacionalizando a coleção de arte real e enunciou a abertura de um museu público no Louvre. Hoje, 216 anos depois, o Louvre e Abu Dhabi subitamente têm muito em comum.

"Abu Dhabi Ganhará seu Próprio Louvre", anunciou o "New York Times" no mês passado. A família real de Abu Dhabi planeja comprar uma parte do Louvre de US$ 650 milhões (em torno de R$ 1,4 bilhão). Isso permitirá a transferência de várias obras de arte para a metrópole árabe por um período inicial de 20 anos. A arte será exibida em um novo museu que está em fase de planejamento.

A notícia causou uma onda de indignação na França. O "Louvre do Deserto" não é particularmente popular na grande nação. Críticos até temem que o legado nacional possa ser revendido. Mas parece que as negociações estão prosseguindo. Há boatos que os franceses agora estão exigindo ao menos US$ 1 bilhão (em torno de R$ 2,2 bilhões).


"UM BEM CULTURAL PARA O MUNDO"

Talvez seja chamado de "Louvre Abu Dhabi" ou algo igualmente intrigante, mas o que será construído no deserto é muito mais do que apenas um museu de arte clássica. A Companhia de Desenvolvimento e Investimento de Turismo nacional de Abu Dhabi (Tdic) promete "um bem cultural para o mundo" e um "centro para o intercâmbio e a experiência cultural", nas palavras do xeque califa Bin Zaeyed Al Nahyan, presidente dos Emirados Árabes Unidos e governante de Abu Dhabi. As primeiras atrações turísticas estarão disponíveis em 2012, e o término do projeto total está programado para 2018.

O xeque califa bin Zayed Al Nahyan comissionou nada menos do que quatro dos mais famosos arquitetos do mundo para criarem o que promete ser um dos destinos culturais mais importantes do mundo: Frank O. Gehry, Jean Nouvel, Tadao Ando e Zaha Hadid.

Ao lado de Abu Dhabi fica Saadiyat Island - o nome significa "ilha da felicidade", em árabe - um pedaço de terra de 27 km quadrados onde Frank O. Gehry, que nasceu em 1929, deve construir outro Museu Guggenheim. Os projetos sensacionais de Gehry para um novo Guggenheim na ponta Sul de Manhattan foram congelados indefinidamente após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Mas existe justiça no mundo: agora os formatos abstratos, gerados por computador, de sua imaginação arquitetônica chegaram ao Golfo Pérsico.


NOVAS POSSIBILIDADES

Com sua arquitetura espetacular de cubos, prismas, cones e cilindros comprimidos e interconectados, e com uma área total de quase 30.000 metros quadrados, o Guggenheim de Abu Dhabi provavelmente superará em muito seu predecessor nova-iorquino. Gehry está satisfeito: "O projeto do museu para Abu Dhabi permitiu considerar opções prédios que não seriam possíveis nos EUA ou na Europa", diz ele, acrescentando que "estava claro desde o início que tinha que ser uma nova invenção".

A arquiteta iraquiana de 57 anos Zaha Hadid, que mora em Londres, também tem planos bombásticos. Seu Centro de Artes Performáticas, um complexo de 62 metros de altura, incluirá duas salas de concertos, uma ópera e dois teatros. O número total de assentos será de 6.300 - quase tantos quanto o Lincoln Center em Nova York. Como o Guggenheim de Abu Dhabi, o complexo também oferecerá vistas espetaculares do Golfo Pérsico e do horizonte da cidade.

Hadid está correspondendo a sua fama de ministra da arquitetura da desconstrução. Procuramos, em vão, por um ângulo reto em algum canto de seu modelo. Como a proa de um barco, a construção de quatro andares levanta-se dinamicamente na direção do mar. Uma rede de janelas de formatos fluidos cobre uma estrutura que parece uma ameba. Os auditórios são completamente brancos. A estrutura fina e ramificada lembra o interior de um osso.


MICRO-CIDADE COM GRANDES IDÉIAS

O francês Jean Nouvel, que nasceu em 1945, adaptou seu modelo arquitetônico metaforicamente carregado para o "Louvre do Deserto" às condições topográficas do local - a proximidade imediata do deserto e do mar. Ele não planeja construir um prédio único e colossal, e sim uma "micro-cidade" - uma coleção de prédios de diferentes tamanhos, ao lado do mar. O conjunto será dominado por um grande domo iluminado, concebido como elo simbólico entre as culturas do mundo.

O domo é "feito de uma rede de padrões diferentes entrelaçados e um teto translúcido que deixa uma luz difusa e mágica entrar, na melhor tradição da grande arquitetura árabe", diz Nouvel. Sua contratação para projetar o prédio foi mantida em segredo até o último momento. Nouvel já criou um laço arquitetônico entre o Oriente e o Ocidente há 20 anos, na forma do Instituto do Monde Árabe (1981-1987), em Paris.

O Museu Marítimo de Tadao Ando promete ser outro ponto alto. Nascido em 1941, o arquiteto minimalista é conhecido por seu estilo austero, que combina a tradição Zen japonesa com a queda modernista pelo concreto nu. Inspirado pelos navios de vela tradicionais dos mercadores árabes, Ando projetou um prédio de aparência frágil no formato de uma vela abstrata curvada pelo vento. Incrustado em um cenário de oásis natural dominado por um aquário subterrâneo, a arquitetura contida de Ando promete se tornar um porto popular de paz contemplativa dentro do excesso arquitetônico.


O BIENNALE PARK - INSPIRADO POR VENEZA

O chamado Biennale Park, outro desenvolvimento planejado para Saadiyat Island, admite sua inspiração veneziana com 19 pavilhões projetados por 19 jovens arquitetos. Hani Rashid é um deles. Egípcio, ele mora em Nova York e é considerado um dos mais importantes teóricos contemporâneos de arquitetura. O parque será cortado por um canal navegável de 1,5 km. Os Emirados Árabes Unidos, país que tem a maior renda per capita do mundo, certamente não se sentem inibidos em competir com as capitais culturais tradicionais do mundo.

É claro, todas essas atrações culturais também precisam de uma infra-estrutura turística que possa lidar com o volume de pessoas que deve chegar de todas as partes do mundo. Duas estradas de 10 pistas vão conectar Saadayat Island à cidade e ao aeroporto. Até 2018, 29 hotéis devem estar prontos - incluindo um hotel de luxo de sete estrelas que é presumivelmente a resposta de Abu Dhabi ao legendário Burj Al Arab, em Dubai. Também haverá uma marina para cruzeiros e iates, que deve fornecer ancoradouro para cerca de 1.000 embarcações.

Saadayat Island promete superar em muito Las Vegas e Bilbao - tradicionalmente criticados por pessimistas culturais - em termos da capacidade de provocação. E mesmo assim muitos fãs de cultura vão terminar em Abu Dhabi, cedo ou tarde - para admirar a cidade ou apenas para reclamar.