05 março 2007

Vai levar um peixe ou um livro?

Por Eduardo Kattah
em Jornal da Ciência
29 janeiro 2007

Nos últimos meses, o pescador Leonardo da Piedade Diniz Filho, de 40 anos, viu sua clientela crescer e se diversificar na feira livre de Pirapora, cidade às margens do Rio São Francisco, no norte de Minas Gerais.

Os freqüentadores estão sendo atraídos à barraca de Léo do Peixe, como é conhecido, não só pelos dourados, surubins e curimatãs como também pela inusitada oferta de livros.

O pescador virou a principal atração da feira dominical ao criar o Clube da Leitura, em fevereiro do ano passado.

O projeto, que nasceu tímido, com o objetivo de entreter crianças enquanto os pais compram, ganhou corpo e já envolve a comunidade local, a exemplo de outros atos voluntários e criativos de incentivo à leitura que surgiram no país nos últimos anos.

Em pouco tempo, a partir de doações, Léo do Peixe já acumula um acervo de 8 mil exemplares, entre livros, revistas e gibis, que são emprestados gratuitamente. Para atender à demanda, precisou improvisar uma biblioteca nos fundos de sua casa, que também funciona como peixaria.

Recentemente, a experiência do pescador ganhou reconhecimento nacional e foi finalista do prêmio VivaLeitura, com patrocínio da Fundação Santillana, da Espanha, e promoção dos ministérios da Educação e da Cultura e da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura.

A vencedora em sua categoria foi uma professora do Maranhão. Alda Beraldo criou o projeto Jegue-Livro. A cada 15 dias, os livros da Casa do Professor, instituição ligada à Secretaria da Educação da cidade de Alto Alegre do Pindaré, são levados no lombo dos jegues à zona rural.


SOB A LONA

De um espaço improvisado embaixo de uma lona, Léo do Peixe conta agora com uma barraquinha própria para o Clube da Leitura. Todos os domingos ele enche duas estantes. Em média são emprestados 50 exemplares.

Durante a semana o movimento é em sua casa. Sem cerimônia, os moradores adentram o local para buscar ou entregar um livro. Os clientes da peixaria, por sua vez, são sempre incentivados a levar um exemplar.

“Hoje eu vendo menos peixe. O pessoal acha que meu negócio agora é livro”, conta o pescador. “Já fui até chamado de doido”, lembra.

Recentemente, o radialista esportivo Josival Alves, de 36 anos, garimpava uma obra sobre futebol. Ele relata que, antes de conhecer o Clube da Leitura, não freqüentava a biblioteca pública de Pirapora.

“Quando vi na feira, aí eu me animei”, diz. “Quem lê está aprendendo o que há de mais importante na vida. Sem a leitura não somos nada.”

Embora tenha crescido em meio aos livros - sua mãe era professora -, Léo do Peixe garante que sempre foi um “aluno medíocre”.

A leitura se tornou um hábito somente quando passou a incentivar os filhos, Gabriel, de 7 anos, e Isabela, de 4. “Não adianta mandar fazer uma coisa se você não dá o exemplo. E hoje eu sou um devorador de livros.”

O pescador - que chegou a cursar Ciências Contábeis em uma faculdade particular, mas não concluiu - lista o educador pernambucano Paulo Freire, o escritor baiano Jorge Amado e o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade como seus autores prediletos.


BORRACHEIRO DE SABARÁ TAMBÉM OFERECE LIVRO A CLIENTES

O também mineiro Marcos Túlio Damascena, de 28 anos, pode ser considerado um pioneiro em iniciativas nada convencionais de exercitar o gosto pela leitura e incentivar a prática entre a comunidade.

Há pouco mais de quatro anos, ele chamou a atenção por transformar a borracharia do pai, na cidade de Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte, numa verdadeira biblioteca, que oferece empréstimos gratuitos das obras aos moradores.

No espaço de 200 metros quadrados, prateleiras abarrotadas de livros, pneus, rodas, câmaras de ar e ferramentas convivem em harmonia.

Com um acervo catalogado de aproximadamente 5 mil exemplares, sem contar os vídeos, as revistas e os gibis, a “borrachalioteca” - como foi batizado o local - deverá em breve ganhar uma extensão e novos projetos de interação com a comunidade.

Damascena engatilhou uma parceria com a Prefeitura de Sabará, que promete arcar com os custos do aluguel de uma loja ao lado da borracharia.

Em contrapartida, ele e colegas do curso de Letras, de uma faculdade particular da cidade, irão oferecer cursos gratuitos de espanhol, português, interpretação de texto, técnicas de redação e oficina de xadrez. Será montado também um grupo de contadores de histórias para adultos e crianças.

“No mais tardar em fevereiro, nós esperamos disponibilizar esses cursos”, diz ele, com entusiasmo.

“Biblioteca não pode só emprestar livros. Tem de abrir um foco diferente”, afirma o sabarense, que só está na faculdade porque a instituição lhe ofereceu uma bolsa de estudos de 50% do valor da mensalidade.

Durante o dia, Damascena continua exercendo a profissão de borracheiro.

O pai, Joaquim Damascena, de 60 anos, que no começo foi resistente à “idéia maluca” do filho e achava que o jornal que ele comprava diariamente para os clientes da borracharia era mais do que suficiente, já não esconde o orgulho com os novos rumos do projeto de leitura.

Joaquim acredita que a mídia alcançada pela “borrachalioteca” fez crescer o movimento do estabelecimento que foi aberto por ele há quase 40 anos.

“O pneu fura e há algumas pessoas que fazem questão de vir aqui para levar um livro para ler, conhecer.”

Damascena descobriu o gosto pela leitura na adolescência. Em 2002, já casado e logo após o nascimento do filho Sartre Alves Damascena, hoje com 4 anos - uma homenagem ao filósofo francês Jean-Paul Sartre -, ele se viu desempregado.

Começou a trabalhar com o pai, mas ficava entediado apenas com a leitura do jornal nas horas de folga. Decidiu então, para resolver o problema, levar alguns livros para o local.

Não satisfeito, decidiu difundir o hábito entre os vizinhos da borracharia. “A comunidade abraçou essa causa”, constata ele, com orgulho.

1 Comments:

At 04 setembro, 2008 14:05, Anonymous Anônimo said...

É muito importante qualquer atitude de incentivo a leitura,em um país de adultos e crianças que não estão acostumados a leitura.
Parabéns!
por favor vc teria o endereço dele?
Conceição Medeiros

 

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