10 abril 2007

Restrição a dado faz país ter "buraco" climático

Por Rafael Garcia
em Jornal da Ciência
2 abril 2007

O Brasil tem um gigantesco buraco em seu histórico de dados meteorológicos, o que prejudica o estudo da mudança climática no país.

A conseqüência mais imediata disso é que o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), que se reúne hoje em Bruxelas, terá neste ano pela quarta vez um relatório concluído com acesso precário a informações brasileiras, sobretudo da Amazônia e do Nordeste.

O problema se deve, em sua maior parte, ao atraso do Brasil em publicar dados meteorológicos do século 20, que estão arquivados com acesso restrito no Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), em Brasília.

Cientistas ouvidos pela Folha dizem que o buraco de dados nas séries históricas sobre o clima nacional é comparável ao da África subsaariana e deixa o Brasil atrás do Uruguai e da Argentina nos estudos sobre impacto e adaptação ao aquecimento global.

Hoje só é possível fazer projeções razoáveis sobre Sudeste e Sul do país porque algumas instituições regionais publicam seus dados, mesmo não tendo os mais antigos.

"O buraco é um escândalo", diz o físico Gylvan Meira Filho, do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP. Ele atribui a falta de acesso à série histórica do Inmet a "uma visão um pouco cartorial de repartição pública", que já foi superada em outras instituições do governo, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Para o climatologista do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Carlos Nobre, existe mesmo "uma política de não-disponibilização" dos dados no país. "A comunidade científica brasileira não tem acesso a todos os registros climáticos e meteorológicos que existem no Brasil coletados por órgãos públicos."

O Inpe (ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia) e o Inmet (da Agricultura), entraram em conflito várias vezes nos últimos 25 anos. Em diversos episódios, o Inmet foi acusado de reter dados e cobrar -caro- por informações públicas.


COBRANÇA DO GETÚLIO

Segundo Cristina Costa, funcionária do Inmet ouvida pela Folha, a política de cobrança é padrão no instituto e segue uma instrução normativa que vem sendo reeditada desde o último governo Vargas, de 1951 a 1954. "Um ano de dados diários custa R$ 135 por parâmetro", por estação, afirmou. "É a cobrança do Getúlio Vargas."

O Brasil tem hoje cerca de 320 estações meteorológicas (muitas delas novas) e cada uma pode medir até nove parâmetros: temperatura mínima, máxima e média, direção e força do vento, umidade, pressão atmosférica, chuva e radiação solar.

Levando isso em conta, o preço do histórico meteorológico do Brasil inteiro no século 20 sairia por algo da ordem de alguns milhões de reais.

Quando um pesquisador solicita dados, uma isenção de taxa pode ser negociada, mas funcionários do instituto encaminham o caso direto à direção.

"Pelo menos com o novo diretor, o Inmet nunca tem dito não, mas muitas vezes diz que não tem os dados prontos", diz o climatologista José Marengo, do Inpe.

Segundo Antônio Divino Moura, que está à frente do Inmet há quatro anos, os dados são todos abertos ao público, mas boa parte do acervo antigo ainda não passou por controle de qualidade e não está digitalizado.


ENTREVERO EM MACEIÓ

Em 2004, Marengo presenciou um episódio de mal-estar entre pesquisadores, durante simpósio do IPCC em Maceió.

"Serviços meteorológicos de todos os países da América do Sul foram convidados, e todos eles levaram dados [digitalizados] ao evento, mas depois muitos não queriam deixar os dados com os outros pesquisadores", diz o cientista.

Entre aqueles que relutavam em compartilhar informações estavam bolivianos, peruanos e os brasileiros do Inmet. "O que foi usado pelo IPCC e veio a público foram os índices [médias], mas a informação meteorológica mesmo não foi liberada."

Apesar de lembrarem episódios de má vontade em fornecer dados, críticos do Inmet reconhecem que parte da dificuldade vem da falta de dinheiro para investir na modernização do acervo. Quase todo o orçamento do instituto é consumido na manutenção e operação de estações meteorológicas.

"Eu acho que o Ministério da Agricultura é, de certa forma, responsável por isso", diz Marengo. "Ele deveria destinar um orçamento maior ao Inmet."

Na opinião de Nobre, porém, é preciso que haja uma iniciativa do próprio Inmet. "Eles têm de pedir ajuda", diz. "A comunidade cientifica ajudaria num trabalho braçal de transcrever e corrigir dados, mas isso teria que ser um esforço nacional."