10 julho 2007

Inclusão na sociedade do conhecimento, artigo de Jorge Werthein

Por Estado de S. Paulo
em Jornal da Ciência
26 junho 2007

Jorge Werthein, doutor em Educação pela Universidade Stanford (EUA), é diretor-executivo da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla). Artigo publicado no “Estado de SP”:

Uma visão realista do papel da informação e do conhecimento nos atuais processos produtivos leva a crer que nem uma nem outro conduzem necessariamente à igualdade social.

Isso implica considerar que as novas tecnologias da informação, embora representem avanços em diversas áreas, também conduzem a formas inéditas de exclusão social.

Percebe-se, de um lado, o avanço da tecnologia, o desenvolvimento de recursos cada vez mais sofisticados nos campos da comunicação, da educação, da informação.

De outro, verifica-se mais uma forma de disparidade social: a exclusão da sociedade do conhecimento, caracterizada pela distância entre os que dominam as novas tecnologias e aqueles que mal as compreendem ou até as desconhecem.

Os países também vivem de modo desigual o ingresso na sociedade do conhecimento. O exemplo mais evidente desse fato é o desenvolvimento da internet, que tem conseguido interconectar, em poucos anos, milhões de pessoas nos lugares mais remotos do mundo - em 1995, eram 20 milhões de usuários; em 2000, eles já somavam 400 milhões; e, em 2006, eles já eram quase 1 bilhão.

O acesso à internet, contudo, é desigualmente distribuído: 75% dos usuários vivem nos países industrializados, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que têm 14% da população mundial.

Enquanto nos Estados Unidos os usuários são 54% da população total, na América Latina e no Caribe eles são apenas 3,2%.

Outra disparidade se pode observar no interior dos próprios países: a maioria dos usuários da rede mundial de computadores vive em zonas urbanas (80% dos usuários na República Dominicana vivem em São Domingos), têm melhor escolaridade e melhor condição socioeconômica (no Chile, 89% têm ensino superior), são jovens (aqueles entre 18 e 24 anos de idade têm cinco vezes maior probabilidade de serem usuários do que os maiores de 55 anos) e, na grande maioria, do sexo masculino (na América Latina, eles são 66%, embora essa disparidade se venha reduzindo).

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) há algumas semanas divulgou dados mais recentes. Contou 32,1 milhões de usuários da internet no país.

Como usuários, o instituto compreende a população de 10 anos ou mais de idade que acessou a internet, por meio de microcomputador, pelo menos uma vez, em algum local - residência, trabalho, escola, centro público de acesso pago ou gratuito etc.

A maioria desses usuários é do sexo masculino (16,2 milhões), tem média de idade de 28 anos, 10,7 anos de estudo e rendimento médio mensal familiar per capita de R$ 1 mil.

O perfil de quem não utiliza a rede é claramente distinto e, por isso mesmo, merece atenção: mais de 37 anos de idade, entre cinco e seis anos de tempo de estudo e rendimento médio mensal de R$ 333.

Cabe, portanto, à sociedade e a seus governantes decidir que caminho preferem seguir, se o da inclusão e conseqüente homogeneidade, ou o da exclusão e resultante fragmentação.

Nesse sentido, o domínio do conhecimento científico faz parte do exercício da cidadania em sistemas democráticos. No mundo atual, o capital mais importante de um país é o conhecimento. O conhecimento, contudo, depende da formação de pessoas capazes de produzi-lo e manejá-lo.

Mediante visão de médio e longo prazos, a resposta para modificar o atual quadro de exclusão da sociedade do conhecimento se encontra na educação.

Investir em educação está no ponto de partida para reverter a situação de quase letargia em que a América Latina se encontra, se comparada aos países mais desenvolvidos científica e tecnologicamente.

Mas investir em educação tem vários significados. O principal deles é elevar a qualidade da educação básica. Para isso há estratégias, como aprimorar a formação dos professores, aumentar o tempo de permanência dos alunos na escola, melhorar a infra-estrutura e equipar os estabelecimentos de ensino.

A todas essas se pode acrescentar mais uma: a incorporação do ensino de Ciências ao currículo desde o ensino fundamental, de comprovado impacto em tantos países desenvolvidos e em desenvolvimento, os quais optaram por essa alternativa.

No âmbito da tecnologia, há, em todo o globo, iniciativas voltadas para a redução da crescente lacuna digital: desde o desenvolvimento de software livre até recentes esforços para lançar no mercado computadores de baixo custo, a menos de US$ 100.

No Brasil, o projeto Cidades Digitais, do Ministério das Comunicações, pretende facilitar o acesso à rede e reduzir a exclusão digital em pequenas cidades do interior do país.

A revolução tecnológica, porém, não pode ser reduzida a mera incorporação ou acúmulo de maior número de máquinas e sistemas de informação e comunicação. É mais que isso.

A inovação deve ter caráter social (sustentada com políticas educativas e culturais, de desenvolvimento social, sanitárias, de emprego, etc.) de forte impacto em médio e longo prazos.

Cabe salientar, uma vez mais, que somente a educação poderá garantir que as novas tecnologias da informação e da comunicação cumpram seu papel social, isto é, garantam qualidade de vida ao maior número possível de cidadãos. Estes precisam saber captá-las, manejá-las e explorá-las com eficiência.

Portanto, além do acesso, da conectividade de alta resolução e agilidade, o cidadão necessita saber tirar de tudo isso o melhor proveito e não se perder no emaranhado de informações dispersas no ciberespaço.

Nisto deve consistir a base da sociedade do conhecimento: a possibilidade e a capacidade de adquirir e processar informações e transformá-las em conhecimento útil.