12 julho 2007

O livreiro dos pobres

Por João Prado
em IstoÉ Dinheiro
4 julho 2007

John Wood tinha um dos cargos mais invejados do mundo corporativo. Logo depois de se formar na Escola Financeira de Colorado (EUA), assumiu a direção de marketing da Microsoft, em Sydney (Austrália), e poucos anos depois já era diretor de desenvolvimento da companhia, na China. Wood era o homem de confiança dos líderes da gigante da informática, Bill Gates e Steve Ballmer. Ótimo salário, respeito profissional e um carro conversível na garagem de seu apartamento de 180 metros quadrados, faziam da figura do executivo o perfil a ser seguido por outros empresários da indústria de tecnologia. John Wood era um exemplo. Menos para ele mesmo. Em 1998, estressado pelas horas contínuas de trabalho e pela crescente pressão por resultados fizeram Wood tirar a suas primeiras férias, em nove anos:

"Achava que férias era coisa para empresários fracos", contou. E foi justamente viajando até o Nepal, para praticar trekking (caminhada em trilhas), que Wood descobriu o que realmente queria fazer: ajudar a alfabetizar crianças pobres. Daí surgiu a Room to Read, ONG fundada em 2000, responsável pela implantação de 3,6 mil bibliotecas e 110 oficinas de informática, além da distribuição de 2,8 milhões de livros e 2,3 mil bolsas de estudo para meninas carentes - a parcela mais afetada pela falta de educação. No total, mais de 1,2 milhão de crianças de sete países (Nepal, Vietnã, Camboja, Índia, Sri Lanka, Laos e África do Sul) já foram beneficiadas.

A idéia não poderia surgir em outro lugar. O Nepal, país asiático do Himalaia, possui um índice de 70% de analfabetismo entre sua população. "Poderia ajudar aquelas crianças que sofriam com a pobreza e a falta de educação", diz Wood. Imediatamente, ele passou um e-mail para amigos e conhecidos, pedindo que mandassem livros para a casa de seus pais, nos EUA, ou a quantia de US$ 5 a US$ 100, para ajudar no transporte até as aldeias carentes. Dias depois, ao checar suas mensagens eletrônicas, encontrou uma do pai: "Você precisa dar uma chegada rápida aqui em casa! Acho que temos cerca de 3 mil exemplares aqui, mas perdemos a conta". De volta ao trabalho, Wood não conseguia mais identificar um sentido em toda aquela correria desenfreada: "Tinha uma vida sem nenhum propósito. Não fazia mais sentido trabalhar para deixar pessoas ricas ainda mais ricas", contou Wood à DINHEIRO, durante visita a São Paulo na semana passada.

Quase um ano após prometer para os professores de uma precária escola no Nepal, em Bahudanda, que iria voltar com livros para montar a biblioteca, Wood viajou com seu pai para o país e chegou à aldeia com três burros de carga lotados com cestas de livros: "A imagem das crianças desesperadas para pegar um livro foi a melhor recompensa", diz.

Desde então, a Room to Read arrecadou US$ 25 milhões, em sete anos, de diversas empresas, fruto dos contatos da época da Microsoft. O banco de investimentos Goldman Sachs, por exemplo, doa milhas de passagens aéreas para ajudar no transporte dos livros. Da Microsoft, Wood extraiu também o modelo de gestão. "O foco em resultados me ajudou a criar uma ONG que realmente identificasse os problemas e o que eu precisaria fazer para supri-los", conta. Hoje, a entidade tem grupos espalhados em 25 cidades ao redor do mundo, responsáveis pela montagem de palestras e o recebimento de doações. A experiência de transformação pessoal gerou o livro "Saí da Microsoft para mudar o mundo" (Editora Sextante). Embora seja um relato pessoal, ali também está registrado um pouco da história da empresa criada por Bill Gates. Algumas partes também remetem às impressões de Wood sobre seus chefes. "Após as reuniões com Steve Ballmer, o agressivo, exigente e instável número 2 da Microsoft, é que me convenci de que merecia uma folga", cutuca ele. Com certa ironia, Wood disse que só sente falta de uma coisa de sua vida como executivo: o cartão de crédito, que o deixava "gastar sem ter preocupações". Ao ser questionado se recebe ligações da Microsoft, pedindo para que ele volte ao trabalho na companhia, Wood responde com uma gargalhada: "Não me ligam. Mas se ligarem direi: 'Me dê dinheiro para investir na Room to Read."

1 Comments:

At 14 outubro, 2008 23:32, Anonymous Anônimo said...

JOHN WOOD é um homem iluminado!

 

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