17 outubro 2007

Bilionários russos intervêm para socorrer o patrimônio do seu país

xjaPor Marie Jégo, tradução de Jean-Yves de Neufville
em Le Monde
27 setembro 2007

Os bilionários russos estariam no processo de desempenhar um papel na preservação do patrimônio cultural do seu país? A pergunta começou a se tornar relevante desde que Alicher Ousmanov comprou de uma vez só, em Londres, em 17 de setembro, as 450 obras de arte russa que faziam parte da coleção do violoncelista Mstislav Rostropovitch (1927-2007).

O oligarca desembolsou 36 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 134 milhões) de modo a evitar a dispersão das obras e antiguidades de propriedade do virtuose, dentre as quais quadros de Repin, Serov ou Grigoriev, além de objetos que pertenceram à família imperial. Esta coleção, que foi reunida pelo músico e sua mulher, a soprano Galina Vichnevskaia, deveria ser vendida num leilão em Londres, nos dias 18 e 19 de setembro, pela Sotheby's. Mas a venda não ocorreu.

O mesmo Alicher Ousmanov já havia comprado, no início de setembro, uma coleção de desenhos animados soviéticos, cedida durante os anos 1990 para uma companhia americana, para oferecê-los a um canal de televisão estatal.

Ousmanov não é o único bilionário a se empenhar em fazer retornar à Rússia uma fatia do seu patrimônio. Em 2004, as pedras preciosas em forma de ovos criadas pelo joalheiro dos czares, Fabergé, foram compradas da família americana Forbes pelo muito afortunado Viktor Vekselberg.

Alicher Ousmanov e Viktor Vekselberg têm pontos comuns. Eles são muito ricos e são personalidades sempre bem-vindas no Kremlin, onde cultivam amizades até mesmo com Vladimir Putin. Além disso, não se sabe se os novos proprietários irão ficar com os tesouros artísticos que eles adquiriram ou se eles irão entregá-los para uma instituição do Estado. Ousmanov optou por se manter ambíguo em relação a esta questão, embora um dos seus amigos tivesse afirmado que a coleção Rostropovitch não seria restituída.

O ministério russo da cultura estava interessado em adquiri-la, mas ele não conseguiu reunir os fundos necessários. Entretanto, por ocasião de uma coletiva de imprensa em Moscou, na terça-feira, 18 de setembro, o ministro russo da cultura, Mikhail Chvydkoi, reconheceu que Alicher Ousmanov havia articulado a compra da coleção Rostropovitch a pedido da agência governamental encarregada da conservação da herança cultural. Desde junho de 2004, esta agência, encarregada da cultura e da "vigilância das comunicações de massa" vem sendo dirigida por Boris Boiarskov, um aliado próximo do presidente Putin, oriundo assim como ele dos serviços de segurança (FSB).

De origem uzbeque, Alicher Ousmanov, que administra uma fortuna pessoal estimada pela revista econômica americana "Forbes" em US$ 5,5 bilhões (R$ 10,17 bilhões), é proprietário do grupo Metalloinvest. Ele dirige uma filial da Gazprom (gigante russo do gás) e acaba de adquirir 21% das ações do clube de futebol inglês Arsenal.

NENHUMA CONCESSÃO

A viúva do violoncelista, Galina Vichnevskaia, se disse satisfeita com a aquisição da sua coleção por Alicher Ousmanov. "Desta forma, ela permanecerá inteira", confiou em entrevistas à imprensa russa. O casal havia tomado a decisão de vender o conjunto completo antes da morte do músico, em abril de 2007. "Eu não tenho nenhuma nostalgia. Não sou apegada aos objetos", explicou a soprano.

Uma vez que a manutenção das obras - entre outros, a das suas apólices de seguro - era particularmente custosa, ele havia decidido cedê-las com o objetivo de financiar a fundação caritativa do casal. Numa entrevista que ela concedeu à televisão russa antes da venda, Galina Vichnevskaia havia afirmado claramente que ela não faria nenhuma concessão em relação ao preço, o que poderia permitir a sua aquisição pelo ministério russo da cultura. "Quando nós fomos expulsos do país com os nossos dois filhos ainda muito novos, ninguém se mostrou preocupado com a maneira com que nós iríamos viver", explicou.

Mstislav Rostropovitch e sua mulher, que eram amigos pessoais de Alexandre Soljenitsyn, haviam sido forçados a deixar a União Soviética em 1974 por terem hospedado o escritor dissidente. Declarados traidores da pátria, eles haviam sido então destituídos da sua nacionalidade soviética.

Interessados em se cercar com o "perfume" da sua cultura de origem, os exilados haviam começado a adquirir obras e objetos antigos russos e a conservá-los nos seus apartamentos em Londres e em Paris. Já no próximo mês de outubro, a sua coleção será exibida em Moscou ou em São Petersburgo.